O Tribunal de Justiça de São Paulo declarou inconstitucionais a Vila Reencontro e o Auxílio Reencontro, principais apostas da prefeitura para atender a população em situação de rua na capital paulista.
O prefeito Ricardo Nunes (MDB) e a Câmara Municipal tentaram reverter a decisão, mas seu recurso foi negado em setembro. A prefeitura tem até dezembro de 2025 para refazer todo o programa, a fim de evitar que os atuais beneficiários fiquem desamparados.
Segundo a gestão Nunes, “o atendimento prestado pelo Programa Reencontro está garantido na cidade”. A Procuradoria Geral do Município afirma ter recorrido ao STF (Supremo Tribunal Federal).
O programa é uma resposta da prefeitura ao aumento do número de famílias em situação de rua durante a pandemia. No fim de 2021, das 31,8 mil pessoas vivendo nas ruas da cidade, 28,6% estavam acompanhadas de algum familiar, e 42% estavam nessa situação desde o início da crise sanitária.
Inspiradas no modelo “housing first” (“moradia primeiro”), as Vilas Reencontro são formadas por casas modulares instaladas em contêineres e destinadas preferencialmente a famílias que estão há, no máximo, três anos na rua. Cada vaga dura 12 meses, renováveis por igual período, e pode ser destinada a famílias de duas a oito pessoas.
Desde o início do programa, em dezembro de 2022, “349 pessoas conseguiram saída qualificada após a estadia nas Vilas, com conquista ou reconquista parcial ou total de autonomia”, segundo a Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social, responsável pela execução do programa.
Em novembro de 2023, começou a implementação do Auxílio Reencontro, em duas modalidades. O Auxílio Reencontro Moradia funciona como um auxílio aluguel, enquanto o Auxílio Reencontro Família se assemelha a uma ajuda de custo para quem decide sair da rua se mudando para a casa de algum familiar. Em ambos os casos, famílias recebem R$ 1.200, enquanto uma pessoa desacompanhada recebe R$ 600.
Um mês antes, o Ministério Público havia protocolado uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) no TJ-SP contra a lei 17.819/2022, que instituiu o Auxílio Reencontro e a Vila Reencontro. A Promotoria apontou a ausência de participação popular na tramitação do projeto, aprovado por meio de uma manobra na Câmara Municipal.
Segundo a ação, o projeto de lei original, PL 528/2021, do vereador Sansão Pereira (Republicanos), previa a criação do “Programa Restaurante Social SP”, com a instalação de restaurantes populares em comunidades vulneráveis.
Após tramitar por quase um ano na Câmara, o líder do governo, vereador Fábio Riva (então no PSDB, hoje no MDB) apresentou um substitutivo, no qual apareciam pela primeira vez o Auxílio Reencontro e a Vila Reencontro. Esse texto foi aprovado em 24 horas.
Um projeto de lei com o mesmo teor, o PL 427/2022, tinha sido apresentado pelo prefeito na véspera, mas teria de cumprir todo o rito de tramitação para ser aprovado. A substituição do texto de um projeto mais antigo favoreceu a aprovação rápida do Reencontro.
Em razão disso, a Promotoria considerou que a participação popular na elaboração da política e no processo legislativo, um preceito constitucional de toda legislação relativa à assistência social, foi prejudicada. Em particular, a ação menciona a falta de discussão do texto nos conselhos municipais de Segurança Alimentar e Nutricional (Comusan), de Assistência Social (Comas) e da Política Municipal para a População em Situação de Rua (Comitê PopRua).
Levantamento feito por Kelseny Pinho, integrante do Fórum da Cidade, coalizão de agentes da sociedade civil dedicada ao monitoramento de políticas para a população em situação de rua, mostra que o Programa Reencontro foi mencionado em 10 das 37 reuniões do Comitê PopRua, responsável pela fiscalização dessas medidas, de 2021 a 2023. “Ainda assim, na maioria das vezes, o Reencontro foi apenas apresentado pela prefeitura, não discutido pelos conselheiros [do comitê]. Não houve discussão do projeto de lei”, argumenta Pinho, que também é mestranda em Planejamento e Gestão do Território pela UFABC.
Atualmente, segundo a prefeitura, há dez Vilas Reencontro, que atendem 450 famílias com moradia, refeições diárias, cursos profissionalizantes e atendimento de saúde. A gestão informa que o custo mensal médio por residente é de R$ 1.746.
O Fórum da Cidade contesta esses dados. Em levantamento realizado por meio da Lei de Acesso à Informação, membros do fórum apontam que, no dia 30 de setembro, dos 669 módulos nas dez Vilas Reencontro, com capacidade para acolher 2.640 pessoas, apenas 78% estavam ocupados, atendendo 1.244 pessoas.
Das 10 vilas, 8 foram concedidas sem chamamento público, instrumento administrativo que busca garantir a ampla concorrência e maior eficácia dos contratos do poder público com organizações sociais. O valor total repassado em agosto para as organizações sociais que administram as vilas foi de R$ 4,48 milhões, de modo que o custo médio por residente foi de R$ 3.607.
Embora afirme não haver fila de espera para as Vilas Reencontro, a prefeitura prevê três novas unidades (São Mateus, Tiradentes e CMTC), que somam 554 módulos. Não há data para a inauguração.
Pinho afirma ter duas preocupações relativas à decisão da Justiça: “A prefeitura pode tentar atropelar a participação social de novo. Recentemente, a prefeitura fez uma audiência pública sobre o Programa Reencontro. Essa é uma forma de alegar que está garantindo escuta da população sem passar pelos conselhos municipais”, afirma.
Também há o receio de um possível descumprimento do prazo de 18 meses para a recriação da legislação. Nesse cenário, de um dia para o outro, os residentes da Vila Reencontro seriam desalojados, e os beneficiários do Auxílio Reencontro não receberiam mais o dinheiro.