Com a missão de alcançar consenso entre quase 200 países sobre uma nova meta global de financiamento do clima, a COP29, Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática em curso em Baku (Azerbaijão), entrou na reta final de negociações com as atenções voltadas para o que está acontecendo a mais de 11,8 mil km de distância, na reunião de cúpula do G20 no Rio de Janeiro.
A primeira semana da conferência climática, iniciada em 11 de novembro, foi marcada pelo impasse em quase tudo relacionado à parte financeira, com direito a retrocessos até em pontos que já haviam sido previamente pactuados.
Nesse cenário, a reunião das maiores economias do mundo, nesta segunda (18) e terça (19) no Rio, tem aumentado as pressões para o Brasil, anfitrião e atual presidente do G20, destravar as negociações climáticas.
Sede da próxima conferência do clima, o Brasil teria também interesse em resolver em Baku a questão da nova meta de financiamento climático, mais conhecida pela sigla NCQG (novo objetivo coletivo quantificado). Dessa forma, evitaria o acúmulo de negociações delicadas para a COP30, marcada para Belém em 2025.
O peso das negociações climáticas do G20 levou o embaixador André Corrêa do Lago, chefe da delegação brasileira na COP29, e a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva a voarem de volta para o Brasil para participar da cúpula. Está previsto o regresso da dupla a Baku logo após o fim da reunião no Rio.
Na tarde desta segunda (18), o presidente da COP29, o azeri Mukhtar Babayev, destacou o peso do encontro de líderes no Rio também para as discussões climáticas em andamento em Baku.
“Eles representam 85% do PIB (Produto Interno Bruto) global e 80% das emissões”, destacou Babayev, referindo-se ao poder e à responsabilidade do G20. A mesma observação nesta semana pelo secretário-geral da ONU, António Guterres, ao desembarcar no Rio.
“Pedimos que usem a reunião do G20 para enviar um sinal positivo de seu compromisso com o enfrentamento da crise climática. Queremos que forneçam mandatos claros [aos seus negociadores] para avançar na COP29. Não podemos ter sucesso sem eles. O mundo está esperando para ouvi-los”, insistiu Babayev.
Mais dinheiro
No sábado (16), o líder climático das Nações Unidas, Simon Stiell, já havia escrito uma carta em que apelava aos membros do G20 por apoio —e, claro, mais dinheiro— nas negociações climáticas.
Conforme a Convenção-Quadro sobre o Clima, de 1992, e o texto do Acordo de Paris, de 2015, os países desenvolvidos devem financiar as ações de adaptação e mitigação das mudanças climáticas e os projetos de transição energética das nações em desenvolvimento.
Essas decisões refletem o consenso de que as nações mais ricas conseguiram alavancar suas economias com base, em larga medida, a seus históricos mais longos de emissões dos gases-estufa.
Agora, contudo, os países desenvolvidos têm aumentado a pressão para ampliar a base de doadores, incluindo países como a China —atual recordista de emissões, mas considerada economia em desenvolvimento— e o próprio Brasil.
Doação voluntária
Essa posição é rechaçada pelo bloco do G77+China, formado por emergentes e em desenvolvimento, que negociou em conjunto na convenção do clima das Nações Unidas e do qual o Brasil também faz parte.
Segundo reportagem da agência Reuters, diplomatas envolvidos na elaboração do acordo final do G20 afirmaram que o grupo chegou a um consenso sobre a menção às “contribuições voluntárias dos países em desenvolvimento para o financiamento climático, sem classificá-las como obrigações.”
Nos bastidores, integrantes da delegação brasileira minimizaram a menção às contribuições voluntárias por parte dos países em desenvolvimento, interpretada por alguns analistas como um sinal de que a China poderia abrir mais sua carteira no apoio ao financiamento climático.
Uma diplomata relembrou, inclusive, que a possibilidade de contribuições voluntárias por parte de países em desenvolvimento já estava prevista explicitamente no Acordo de Paris.
Recentemente, a China —que não integra o grupo de financiadores obrigatórios, mas cuja economia cresceu substancialmente desde a definição desses critérios, em 1992— vem liberando mais dados sobre a dimensão de suas contribuições voluntárias para a transição climática de outros emergentes.
Pequim afirma já ter desembolsado mais de US$ 24,5 bilhões (R$ 137,8 bilhões), desde 2016, em verbas para apoiar questões climáticas em países em desenvolvimento.
A atual meta de contribuição financeira dos países ricos, acordada para o período de 2020 a 2025, prevê US$ 100 bilhões (R$ 574,6 bi) anuais em recursos para as nações mais pobres. Embora um relatório da OCDE afirme que esse valor foi alcançado nos últimos dois anos, diversos levantamentos e países, incluindo o Brasil, consideram que essa cifra jamais foi entregue aos países em desenvolvimento.
Além de ter disponibilizado menos dinheiro, os países mais ricos também fizeram a maior parte da transferência de recursos por meio de empréstimos —e não de doações públicas—, o que contribuiu para o endividamento das nações em desenvolvimento.
Nas negociações da nova meta de financiamento em Baku, os países em desenvolvimento querem um aumento expressivo das contribuições, que deveriam passar de US$ 1 trilhão para fazer face às despesas crescentes relacionadas às questões climáticas.
As nações mais ricas, porém, pressionam pela metade desse valor, querem ampliar a base de doadores e ainda incluir no cálculo os repasses da iniciativa privada, que não é permitido atualmente.
Percalços
Depois de uma sequência de percalços diplomáticos, incluindo a demora na definição da agenda no primeiro dia da conferência, a COP29 foi palco de atrito entre a França e o Azerbaijão, que levou a ministra do Meio Ambiente francesa, Agnès Pannier-Runacher, a cancelar sua ida a Baku. A rusga deveu-se a declarações do presidente azeri, Ilham Aliyev, sobre “crimes coloniais” da França em seus territórios ultramarinos.
Passado esses primeiros desastres, a liderança azeri da COP29 convocou o Brasil e o Reino Unido a auxiliarem nas discussões da NCQG. Nas negociações climáticas, é comum que as presidências, na reta final das negociações políticas, convoquem cofacilitadores para auxiliar na interlocução com os diversos blocos de países.
Comumente, são designados dois representantes, um dos países ricos e outro do grupo em desenvolvimento. Os azeris foram mais longe e convocaram o Brasil, sede da próxima COP, e o Reino Unido que, em 2021, foi anfitrião da última conferência do clima em um país desenvolvido, em Glasgow.
A embaixadora Liliam Chagas, diretora do departamento de clima do Ministério das Relações Exteriores, afirmou que o Brasil pretende trabalhar para sair da COP29 com um resultado abrangente. “O objetivo é um pacote completo de decisões. O novo objetivo de financiamento, a finalização do artigo 6 [do Acordo de Paris, sobre quem deve doar os recursos], os indicadores para as metas de adaptação, a transição justa, a mitigação, mecanismos de tecnologia e o diálogo sobre o balanço global.”
A cinco dias do fim da conferência, com vários desses temas enfrentando resistência, negociadores de outros países não têm compartilhado esse entusiasmo. Nos corredores da COP29, delegados e membros da sociedade civil dão sinais de desânimo quanto às perspectivas do encontro.