O aumento dos incêndios no pantanal desde 2020 provocou a morte de milhões de vertebrados no bioma, além de ter afetado o regime hidrológico e aumentado os casos de doenças respiratórias nas cidades da região.
Um levantamento recente do ICMBio (Instituto Chico Mendes para a Conservação da Biodiversidade) e instituições parceiras revela que a alta frequência e a intensidade das queimadas, exacerbadas pelas mudanças climáticas, também representam um sério risco para as espécies de répteis e anfíbios da região, especialmente para as mais vulneráveis ao fogo.
O estudo identificou 1.708 ocorrências de 45 espécies de répteis e anfíbios nos municípios de Barão de Melgaço e Poconé (distantes, respectivamente, cerca de 103 quilômetros e 109 km de Cuiabá), em Mato Grosso, e destacou a necessidade urgente de políticas ambientais e climáticas mais eficazes.
Segundo o levantamento, divulgado nesta segunda-feira (18) na revista Biodiversidade Brasileira, dentre os animais mais afetados estão as serpentes aquáticas e os anfíbios de grande porte, espécies que apresentaram alta mortalidade durante as expedições de emergência.
A pesquisa registrou, por exemplo, um grande número de carcaças de anfíbios e répteis, como a cobra d’água Helicops boitata, exclusiva do bioma e que foi encontrada apenas em áreas queimadas durante as campanhas emergenciais. A recorrência de incêndios, diz o estudo, pode ameaçar essa e outras espécies endêmicas.
“A maior descoberta foi encontrar uma maior proporção de répteis com hábitos aquáticos ou fossoriais [que vivem enterrados no solo] mortos durante as emergências, uma vez que se acreditava que estes grupos teriam vulnerabilidade reduzida devido à sua capacidade de se enterrar ou viverem associados aos recursos hídricos”, afirma Lara Gomes Côrtes, analista ambiental do ICMBio junto ao Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Répteis e Anfíbios.
“Além disso, H. boitata, única serpente endêmica do bioma e provavelmente ameaçada de extinção, é semiaquática e ocorre em planícies de inundação.”
Para realizar o levantamento, os pesquisadores conduziram seis expedições de 2020 a 2023, cobrindo períodos de seca e vazante. Utilizando duas abordagens distintas —uma para os momentos de emergência (durante os incêndios) e outra para monitoramento em períodos sem fogo—, as coletas incluíram a contagem de animais mortos em áreas queimadas e a amostragem de animais vivos em locais intactos.
Nas emergências, foram percorridos trajetos de até dois quilômetros para registrar animais mortos logo após a passagem do fogo. Já o monitoramento foi realizado com a chamada busca ativa (visualização direta de indivíduos) e com armadilhas aquáticas para capturar e identificar as espécies e coletar informações sobre seus habitats.
Os acessos aos locais de amostragem foram, principalmente, pela rodovia transpantaneira (MT-060) e estradas secundárias de acesso às fazendas, explica Leonardo Moreira, pesquisador do programa de capacitação institucional no Instituto Nacional de Pesquisa do Pantanal.
Nestes locais, foram coletadas amostras tanto de fazendas particulares quanto de unidades de conservação, como o Parque Estadual Encontro das Águas. Um desafio, porém, é a falta de dados disponíveis previamente sobre número de indivíduos nos períodos pré e pós-fogo.
“O pantanal carece de levantamentos quantitativos em relação aos répteis e anfíbios. Existem dados na literatura indicando que algumas espécies exibem preferências por determinados habitats mas, de maneira geral, a importância da vegetação para a densidade das espécies parece ser dependente da fase hidrológica”, diz.
Os dados levantados ressaltam a importância de monitoramentos contínuos, com metodologias que permitam avaliar a resiliência e a vulnerabilidade das espécies locais frente ao fogo, explica o pesquisador. De acordo com o estudo, o monitoramento a longo prazo é essencial para a compreensão dos impactos das queimadas e o desenvolvimento de estratégias de conservação mais eficazes.
“Por isso, destacamos a importância do incentivo esses estudos, não somente para elucidar as questões referentes ao fogo, mas também em relação aos efeitos das mudanças climáticas”, diz.
Para Alejandro Valencia-Zuleta, pós-doutorando na Universidade Federal de Goiás, essas informações servirão como ponto de partida para futuros estudos e o desenvolvimento de políticas de preservação.
Em julho deste ano, entidades civis e associações voltadas para a pesquisa e conservação do bioma se reuniram para fazer um apelo ao governo federal que crie um programa de políticas específicas de preservação do pantanal frente ao avanço do agronegócio na região e o impacto negativo nos últimos anos.
Ainda sob indefinição, o governo atual estuda incorporar o bioma em um plano de conservação e redução do desmatamento, a ser anunciado no próximo ano.
“De fato, as previsões indicam que, em um futuro próximo, o pantanal ficará mais seco e quente, e com menos água disponível na planície, o que deve potencializar a propagação de queimadas. O fogo é historicamente importante no bioma, mas ele ocorre naturalmente na transição da estação seca para a chuvosa [final de outubro em diante]”, diz Moreira.
“Atualmente, boa parte dos incêndios ocorre de julho a setembro. Uma primeira medida seria repensar o uso do fogo para a limpeza de pastagens. Enquanto isso sempre foi uma prática tradicional no pantanal [antes das mudanças climáticas], agora precisa de uma revisão urgente”, avalia.