Guardadas as devidas proporções, a abolição do celular na escola lembra o fim do cigarro em ambientes fechados e a obrigatoriedade do uso do cinto de segurança nos carros. Ambas causaram estardalhaço, pareciam impossíveis de implementar. Hoje, não aplicá-las é que soa absurdo.
Como as pessoas fumavam dentro do claustrofóbico espaço de um avião, empestiando o ar no qual se fica confinado durante horas? E o fumante passivo que trabalha ou circula em bares e restaurantes? Ou ainda, como alguém podia ser contra um acessório que salva a vida de milhões de pessoas em acidentes de carro todos os anos?
Para os fumantes, no entanto, a ideia de ter seu prazer restringido foi brutal, e aí reside uma boa comparação com a experiência de privar as crianças de seus celulares na escola. Também elas se encontram viciadas no produto com a maior capacidade de recompensa cerebral de que se tem notícia, comparável às drogas que os pais tanto temem que seus filhos tenham acesso. A diferença é que são os próprios pais que fornecem o produto.
Crises de abstinência que decorrem da retirada dos celulares estão registradas em vídeos, e são assustadoras e deprimentes. Ao contrário do tabaco, ao assumirmos a proibição, não estaremos apenas preservando a saúde física das crianças, mas a própria formação de sua personalidade, o desenvolvimento de sua inteligência, a sociabilidade, a sexualidade, a autoimagem, a saúde mental e uma lista de capacidades psicossociais que pesquisadores provaram serem diretamente afetadas pelo uso do aparelho.
A lei dá a chancela que faltava aos pais e aos educadores para bancarem coletivamente o que individualmente não conseguiam bancar. Em parte porque impor limites tem se tornado cada vez mais desafiador, diante dos imperativos de performance e felicidade aos quais adultos têm se rendido e têm imposto às instituições de ensino.
Pais passaram a acreditar que fazia parte de suas funções monitorar a vida dos filhos dentro e fora do espaço escolar. Professores, por sua vez, tentando se adaptar às novas exigências e permanecer relevantes, diante da sedução desleal das redes, tentaram usar as mídias a seu favor, incluindo-as no dia a dia escolar. Afinal, trata-se de uma ferramenta espetacular que, se não fosse feita exclusivamente para venda de produtos, seria um recurso inestimável. Mas não há mais ingenuidade possível diante do aumento das depressões, automutilações, rebaixamento de QI, acesso irrestrito à pornografia e violência, distorção da autoimagem, evitação social e outras mazelas que já foram mapeadas pelos estudos.
É de se esperar choro e ranger de dentes durante o processo de reversão de parte do estrago que foi impingido a essa geração nos últimos vinte anos. Nesse caso, não se trata só das crianças, mas também dos adultos responsáveis por elas, que sequer podem contar com uma lei de regulamentação de uso que os ajudaria a lidar com a cooptação nas redes. Teremos trabalho nesse começo, mas motivados pelo desejo de que a época na qual se podia entrar na escola com o celular seja reconhecida como absurda. Resta a esperança de que a experiência diária das crianças, menos oprimidas por esse vício, inspire adultos a se livrarem dele dentro de casa e nos espaços de interação social.
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