A cada quatro anos, os Jogos Olímpicos e Paralímpicos nos oferecem a oportunidade de observar o que o corpo humano é realmente capaz de fazer. Atletas no auge das suas habilidades realizam feitos que a maioria de nós só consegue repetir em sonhos.
As competições mais fascinantes talvez sejam as disputas na pista de atletismo, entre os atletas mais rápidos do mundo. Afinal, poucos esportes oferecem uma comparação tão clara do desempenho pessoal de cada um, correndo lado a lado.
“A questão das corridas de velocidade é que você tem a sua própria pista”, segundo a atleta Eilidh Doyle, especializada nos 400 metros rasos e com barreiras. Ela ganhou a medalha de bronze para a Grã-Bretanha no revezamento 4x400m, nos Jogos Olímpicos do Rio, em 2016.
“Não é como os 1500 metros, quando a tática das pessoas pode influenciar você diretamente. Você basicamente fica na largada e diz ‘sei qual é o plano e vou executar porque ninguém pode me atrapalhar’.”
As corridas se baseiam em uma equação muito simples: a velocidade é igual ao comprimento do passo multiplicado pela sua frequência.
“Ou você dá passadas mais longas, ou passos mais rápidos. É o básico que você pode fazer”, explica o pesquisador de biomecânica, resistência e condicionamento Sam Gleadhill, da Universidade do Sul da Austrália.
“Mas a questão é que, se você aumentar uma dessas variáveis, não vai querer reduzir a outra.”
Tentar aumentar o número de passos pode resultar em passadas mais curtas e vice-versa. E a decisão de apostar mais no comprimento ou na frequência dos passos depende de cada indivíduo.
Mesmo entre os corredores de elite, existem diferenças significativas entre as técnicas adotadas pelos atletas.
“Até na final olímpica dos 100 metros rasos, haverá diferentes técnicas entre os corredores”, segundo Gleadhill.
“Atletas como Christian Coleman são muito fortes e musculosos e se projetam à frente do bloco. Eles aceleram por muito tempo, ficam muito abaixados em relação à pista e dão passos mais curtos. Já outros, como [Usain] Bolt, são mais altos ou têm o comprimento das pernas um pouco maior —por isso, eles dão passos mais longos.”
Bolt atinge sua velocidade, principalmente, com o comprimento dos passos e a força de reação do solo, que é a força produzida ao atingir o chão e que aumenta o comprimento da passada.
Na prova em que Bolt estabeleceu o recorde mundial dos 100 metros rasos, de 9,58 segundos, sua passada mais longa atingiu 2,872 metros.
As evidências não são totalmente conclusivas, mas pesquisas indicam que a frequência dos passos exerce mais influência sobre a velocidade de corrida das mulheres. E, entre os homens, o comprimento da passada é o mais importante.
Esta distinção pode se dever, em parte, aos impactos positivos do comprimento das pernas sobre o comprimento da passada.
Os atletas que fazem uso do comprimento dos passos precisam manter a força nas pernas, o poder de explosão e a flexibilidade dos quadris. Estas qualidades também ajudam a reduzir o tempo de contato com o solo.
Em comparação com as outras pessoas, os músculos flexores dos joelhos e quadris dos velocistas são maiores.
Um estudo realizado com cinco homens velocistas de elite concluiu que seus tensores fáscia lata, sartório e glúteo máximo (todos na região dos quadris) são consistentemente maiores do que os de 11 homens velocistas abaixo da elite.
A mesma equipe de pesquisadores responsabilizou o tamanho dos flexores dos quadris por uma variação de 47,5% no desempenho de cinco mulheres corredoras de elite, em comparação com 17 velocistas abaixo da elite.
Por outro lado, a frequência dos passos é determinada pela capacidade de excitação dos neurônios motores, pela coordenação inter e intramuscular e pela fadiga neural. Os atletas que fazem uso da frequência dos passos precisam de alta atividade neural pouco antes de correr, para atingir rotação rápida das pernas.
Aumentar a força produzida quando o seu pé atinge o solo pode aumentar o comprimento da passada e a sua velocidade.
Mas existem dúvidas sobre até que ponto podemos aumentar a frequência dos nossos passos.
“Na minha opinião, você precisa contar mais com o aumento do comprimento da passada”, aconselha o professor de Biomecânica Vassilios Panoutsakopoulos, da Universidade Aristóteles de Tessalônica, na Grécia. “A frequência dos passos é algo que não muda depois que você amadurece.”
Fatores genéticos e ambientais influenciam nosso desempenho ao correr. Mas a genética pode desempenhar um papel mais importante na frequência dos passos, que está relacionada à excitabilidade dos neurônios motores. Por isso, as pessoas que tendem naturalmente a andar mais rápido também podem ser melhores corredores.
O que pode ser aprimorado é a técnica. Panoutsakopoulos e seus colegas concluíram, por exemplo, que os velocistas jovens têm pés mais planos do que os corredores adultos, mais experientes.
“A nossa descoberta mais importante é que as crianças não fazem pawing [movimento feito por velocistas que busca minimizar o impulso de frenagem]”, segundo o professor. “Os corredores jovens simplesmente colocam o pé [no chão].”
Panoutsakopoulos compara a técnica correta com o movimento das patas de um cavalo sobre o solo, flexionando os pés, em vez de correr com os pés planos, como um pato.
Outras técnicas eficientes para correr mais rápido incluem o contato com o solo mais para trás, projetando o centro de massa para frente, e inclinando o tronco para frente no início da corrida, o que gera força horizontal e aumenta a aceleração.
“Você pode ver isso quando os velocistas olímpicos saem do bloco com o ângulo da tíbia mais horizontal possível ou olhando para a pista”, explica Gleadhill. “Na velocidade máxima, a força vertical passa a ser muito mais dominante.”
A melhor forma —e a mais simples— de aumentar a velocidade é correr com frequência. Mas existem treinos que podem isolar os movimentos e aprimorar a técnica.
“Existe o [exercício do] joelho alto que, eu acho, muitas pessoas fazem errado”, afirma Doyle.
“Quando correr, não erga seus joelhos para frente. O seu calcanhar vem para as suas nádegas e, com isso, seu joelho sai do lugar de qualquer forma.”
Aprimorar as técnicas de corrida exige anos de treinamento para melhorar a coordenação, estabilidade, ativação do sistema nervoso e o uso dos músculos pelos atletas. Mas existem pequenos ajustes que todos podem tentar fazer, como flexionar mais os pés, inclinar-se para frente durante a aceleração ou concentrar-se em tocar o solo pelo menor tempo possível.
Cada indivíduo é único, com diferentes comprimentos de pernas e composição muscular. Por isso, vale a pena experimentar qual estilo pode fazer você correr mais depressa.
Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Future.