Será que amor combina com radicalismo? Foi com essa pergunta que entrei no cinema para ver o excelente documentário “Amor Radical”, sobre a vida de Satish Kumar. Um ativista indiano conhecido por ter dado uma longa pernada: em 1962, decidido a protestar contra a bomba atômica, ele foi a pé da Índia até quatro capitais do mundo nuclear —Moscou, Paris, Londres e Washington.
Satish partiu para essa viagem sem um centavo no bolso. Foi proposital: não ter dinheiro o obrigaria a pedir ajuda e se conectar com as pessoas. Algo curioso para nós, criados em uma sociedade individualista, mas não para esse indiano que, além de ter sido educado em outra cultura, resolveu se tornar monge aos nove anos.
Satish deixou o monastério no começo da vida adulta, acreditando que precisava levar seu conhecimento além daquelas paredes. É então que ele começa a sua peregrinação pelo mundo, não só pelo mundo da bomba atômica, mas este outro, que todos percorremos.
Há uma parte em que o ativista fala sobre nossa caminhada diária. “Há duas maneiras de viver, como um peregrino ou como um turista. Ser peregrino é aceitar o mundo como ele é, sem julgamentos, sem expectativas. Podemos viver no planeta como peregrinos, tirando da terra só o que realmente necessitamos. Sem desperdício, sem poluição, sem extravagância. Já a mente do turista é uma mente cheia de ganância e expectativas. E quando as expectativas não são alcançadas, o turista fica decepcionado. Mas peregrinos não têm expectativas e, portando, não têm decepções.”
Uma verdade simples e também difícil de ser introjetada, já que fomos criados para querer mais, sempre mais, como se isso garantisse a felicidade. Ilusão que, além de nos frustrar constantemente, vem destruindo o planeta.
Ao fim de suas perambulações, Satish acaba por fundar uma escola na Inglaterra, onde conduz seus alunos na contramão da máquina autofágica do capitalismo. Vemos pessoas do mundo inteiro reunidas em torno do ativista, tentando entender de que forma é possível subverter a lógica do sistema, seja apostando em formas menos hierárquicas de trabalho ou resgatando a centralidade da natureza.
Também acompanhamos Satish voltando à sua Índia natal para se encontrar com Vandana Shiva, fundadora do famoso banco de sementes que resgatou e disseminou alimentos que foram quase eliminados pela praga da monocultura.
O documentário faz a escolha inteligente de deixar que o próprio Satish narre sua trajetória, misturando cenas atuais com imagens de arquivo e uma animação belíssima e singular que ilustra a sua infância.
Num certo momento, o ativista diz: “Reduzimos a terra, nossa casa, a um campo de batalha, onde competimos e lutamos por materiais, mercados e poder. Estamos agora em uma encruzilhada. Podemos continuar a seguir o mesmo caminho da violência ou podemos optar pelo caminho da compaixão e da reverência pela vida”.
Não são palavras ao vento. Como ele também explica, acreditar na compaixão e no amor é fácil. Até líderes como Putin e Trump podem dizer que acreditam. Mas acreditar e praticar são coisas bem diferentes. Satish nos convida à prática. É nisso que reside o radicalismo do amor: em fazê-lo acontecer mesmo nas situações mais adversas e usá-lo como motor para transformações que nunca pareceram tão urgentes.
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