Desde 2014, quando atingiu o recorde de 172.045 inscrições, a Fuvest tem mostrado uma tendência de queda no número de candidatos para o vestibular que seleciona estudantes para a USP (Universidade de São Paulo), a mais prestigiada da América Latina e líder do Ranking Universitário da Folha. Este ano, 107.332 candidatos devem fazer a prova da primeira fase neste domingo (17), uma queda de 37,6% nos últimos 11 anos.
Especialistas ouvidos pela Folha citam alguns motivos para explicar esse fenômeno e o principal deles é a “concorrência” dos exames destinados principalmente aos estudantes das escolas públicas: o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) e o Provão Paulista, um tipo de Enem do estado de São Paulo.
Criado em 1998 pelo governo Federal para avaliar o desempenho do estudante ao fim da escolaridade básica, o Enem acabou se tornando a principal porta de entrada dos alunos no ensino superior. Segundo o Ministério da Educação, cerca de 500 universidades já usam o resultado do exame como critério de seleção, seja complementando ou substituindo o seu vestibular. Este ano, foram 3,42 milhões de estudantes inscritos no exame.
A USP é uma delas. A partir de 2016, o exame passou a ser usado via Sisu (Sistema de Seleção Unificada) e, desde 2023, foi criado o sistema Enem/USP, que destina 1.500 vagas para os candidatos do Enem. O mesmo número também é destinado ao Provão Paulista desde o ano passado. Desta forma, das 11.147 vagas disponíveis, 3.000 são selecionadas pelos dois sistemas.
“Certamente, o aumento da oferta de vagas por instituições públicas em outros estados da federação fez com que a possibilidade de estudarem em instituições de qualidade em suas regiões possa ter, historicamente, contribuído para a queda do interesse por uma prova que é aplicada apenas no estado de São Paulo”, diz o diretor executivo da Fuvest, Gustavo Monaco.
As vagas disponibilizadas pelas universidades federais Brasil afora também são citadas por Luís Felipe Tuon, coordenador do ensino médio do colégio Oficina do Estudante, como um dos fatores que ajudam a contextualizar uma mudança de perfil dos estudantes brasileiros, principalmente no pós-pandemia.
“O Enem é a principal porta de entrada para as universidades federais e oferece um número maior de opções de instituições e localidades em comparação com a USP. Essa maior disponibilidade de locais e cursos pelo país pode ter se tornado mais atraente para um perfil de estudante que busca flexibilidade e acesso em diferentes regiões”, diz Tuon.
João Marcos Barreiros, coordenador pedagógico do Poliedro Curso, cita a possibilidade de se dedicar a uma única prova, com abrangência nacional, como atrativo para os vestibulandos, ainda mais se considerada a dificuldade da prova da Fuvest.
“Quanto à diminuição de inscritos, outro fator relevante é a alta exigência da prova, que tem afastado alguns candidatos. O impacto da pandemia deixou muitas lacunas pedagógicas, o que tem desestimulado a participação de jovens em exames mais desafiadores. Além disso, muitos estudantes, diante das dificuldades econômicas e sociais agravadas pela crise sanitária, optaram por priorizar o ingresso no mercado de trabalho, em vez de seguir o caminho acadêmico. Esse movimento reflete, de forma direta, o cenário econômico do país”, afirma Barreiros.
Já Viktor Lemos, diretor geral do Curso Anglo, destaca que os alunos de classe social mais baixa jogam suas fichas no Enem e no Provão Paulista, os de classe média e alta procuram instituições privadas de prestígio para estudar, como PUC/SP e Mackenzie na área de humanidades, FGV e Insper na de negócios, e Santa Casa e Albert Einstein na de saúde.
“Vale notar ainda uma dinâmica do ensino médio. Principalmente nas escolas de elite, de classe média alta, o ensino médio tem se voltado muito para uma formação bilíngue e muito para a preparação para o exterior. Então, quando você olha os colégios mais tradicionais de São Paulo, você tem um número cada vez maior de alunos que saem do ensino médio e querem ir para o exterior estudar, seja na Alemanha, nos Estados Unidos, na Inglaterra, na França, o que também pode explicar essa mudança em relação à USP.”
Segundo a Fuvest, 29,2% dos inscritos no vestibular de 2025 fizeram todo o ensino médio em escolas públicas, contra 66,8% que estudaram em escolas particulares. Considerando que 26,9% das vagas da USP são preenchidas via Enem e Provão Paulista, ainda são poucos os candidatos mais pobres que conseguem entrar na universidade se não for por esses meios.