Há muito tempo o biólogo marinho Bruce Robison usa veículos robóticos para explorar o cânion de Monterey, na Califórnia, uma fenda gigantesca do leito marinho do Pacífico que desce rapidamente das águas rasas costeiras a uma profundidade de mais de três quilômetros. No início de 2000, ele se deparou com uma criatura estranha que nunca havia visto antes.
“Não tínhamos ideia do que era”, lembrou Robison.
O ser gelatinoso tinha um capuz gigante em uma extremidade, projeções semelhantes a dedos na outra e órgãos internos coloridos no meio. Perplexo, Robison e um colega do Instituto de Pesquisa Monterey Bay Aquarium (MBARI, na sigla em inglês) partiram para descobrir o que era.
Agora, um quarto de século depois, tendo estudado 157 desses organismos enigmáticos em seus habitats e também no laboratório, os dois cientistas tornaram públicas suas conclusões. A criatura recém-identificada, eles relataram em um comunicado na última terça-feira (12), representa uma nova família inteira de seres vivos que residem no mundo da meia-noite das vastas águas médias do oceano —a maior e menos explorada parte da biosfera do planeta. Além disso, ela se parece e se comporta de maneira diferente de qualquer um de seus parentes mais próximos.
Os responsáveis pelo achado dizem que a criatura é um novo e surpreendente tipo de nudibrânquio, ou lesma-do-mar. Nudibrânquios (do latim “brânquias nuas”) recebem esse nome pelo fato de serem nus, ao contrário de seus primos caracóis em terra.
O que diferencia o organismo de seus parentes marinhos —e o que torna a descoberta tão surpreendente— é que ele nada. Até agora, a maioria dos nudibrânquios conhecidos era descrita como se movendo lentamente sobre recifes de coral, sobre leitos de ervas marinhas, em florestas de algas, no fundo do mar profundo e em poças de maré rochosas.
Já a criatura recém-identificada pode flutuar sem esforço, sem afundar ou subir. Imagens de vídeo mostram como, a partir desse estado de peso zero, ela se move graciosamente por seu habitat, ondulando lentamente todo o corpo para cima e para baixo.
Os cientistas descobriram que ela também pode expelir água de sua capa, produzindo jatos que a fazem se mover rapidamente para trás para escapar de predadores.
O capuz altamente elástico do organismo é uma cavidade oral que pode se expandir e contrair para capturar camarões e outros crustáceos, assim como uma planta carnívora faz com insetos. A boca do animal fica na parte de trás do capuz.
As projeções em forma de dedo acabam sendo parte de sua cauda em forma de remo. Os pesquisadores também observam que o nudibrânquio, como muitas criaturas do reino da meia-noite, pode se iluminar em exibições de bioluminescência. O brilho irradia de pontos que dão ao animal um aspecto estrelado.
Estudos das profundezas sem luz do oceano mostraram que o comportamento reprodutivo de criaturas abissais pode, pelos padrões humanos, ser estranho. Isso também se aplica ao nudibrânquio: os cientistas identificaram que o novo animal é um hermafrodita, possuindo órgãos sexuais masculinos e femininos. Nas imensidões infinitas do mar profundo, segundo os pesquisadores, o estilo de vida bissexual pode “maximizar as chances de sucesso reprodutivo”.
Os animais hermafroditas vivem uma existência solitária na vastidão escura do mar, mas os cientistas relatam que ocasionalmente encontraram indivíduos desovando próximos uns dos outros no leito marinho. Aparentemente, o nudibrânquio vai lá para liberar seus ovos. Os cientistas afirmam que o pênis do animal geralmente fica retraído, mas às vezes se projeta para fora de seu ducto genital.
O maior dos seres estudados media cerca 15 centímetros da capa oral à cauda. Eles foram observados viajando de 800 metros a três quilômetros de distância.
Apesar de o nudibrânquio nadador ter sido avistado com mais frequência nos recantos escuros do cânion de Monterey, o instituto diz que suas expedições encontraram os seres tanto ao norte de Oregon quanto ao sul da Califórnia.
Pesquisas detalhadas do nudibrânquio —incluindo como é sua anatomia e fisiologia e como seus genes se comparam com parentes marinhos— sugerem que ele é único o suficiente para ocupar uma nova classificação da hierarquia taxonômica no nível da família, de acordo com os cientistas. A categoria de família diversa vem diretamente acima dos agrupamentos mais restritos do gênero e espécie.
Os cientistas propõem que o novo nome da família seja Bathydeviidae. A palavra grega “bathys” significa profundo. O instituto afirma que a última parte do nome da família reflete a natureza “astuta” de um animal que enganou os cientistas com características estranhas que apontavam para qualquer coisa, exceto o que normalmente constitui um nudibrânquio.
No comunicado à imprensa, Robison disse que a descoberta da equipe adicionou “uma nova peça” ao quebra-cabeça da zona da meia-noite, ajudando a ciência a entender não apenas aspectos desconhecidos do maior habitat do planeta, mas também a história natural de alguns de seus fascinantes habitantes.