O significado da democracia está em disputa no Brasil e nos Estados Unidos, e os evangélicos desempenham um papel relevante nesse debate. Nas eleições presidenciais norte-americanas, o voto evangélico foi amplamente favorável a Donald Trump, com 62% de apoio. No Brasil, a preferência eleitoral dos evangélicos pela direita segue uma tendência semelhante, tanto em eleições presidenciais quanto municipais.
Durante a campanha, a candidata democrata derrotada destacou que Trump representaria uma ameaça à democracia, ecoando preocupações de setores da esquerda. Se essa análise estiver correta, quase dois terços dos evangélicos americanos optaram por ver a mais antiga democracia do mundo ameaçada.
Mas como entender a relação entre evangélicos e democracia? Entre os invasores do Capitólio em 6 de janeiro de 2020 e nas depredações de 8 de janeiro de 2022 em Brasília, havia muitos evangélicos. Para a maioria deles, tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, a democracia é valiosa na medida em que garante a liberdade de crença e culto. Mas a garantia de direitos para minorias comportamentais é vista por esses grupos como uma distorção da democracia.
A democracia liberal ocidental tem garantido voz e direitos a minorias que desafiam estilos de vida tradicionais, especialmente em temas como casamento, educação dos filhos, direitos reprodutivos e inclusão social. A direita conseguiu associar esses temas à esquerda, à academia e à imprensa. Assim, quando esses setores defendem a “democracia,” parte do público evangélico associa o termo a um modo de vida que contradiz seus valores fundamentais.
Nem todos os temas relacionados às minorias são rejeitados com a mesma intensidade pelos evangélicos. Há maior aceitação, por exemplo, em políticas de inclusão social, como cotas para ingresso em universidades públicas e o programa Bolsa Família. Contudo, o pluralismo comportamental em temas ligados à família e à sexualidade é rechaçado.
No cenário político atual, a palavra “democracia” assume significados distintos: para a esquerda, envolve a proteção de minorias e grupos vulneráveis; para a direita, foca a preservação das crenças e do estilo de vida da maioria. Embora o termo seja o mesmo, esses dois grupos compreendem a democracia de maneiras diferentes e, em certos aspectos, antagônicas.
Quando a direita alegou que, se eleito, Lula fecharia igrejas, os evangélicos não interpretaram isso literalmente. A mensagem foi entendida como uma ameaça de que um governo de esquerda ampliaria o pluralismo democrático, promovendo direitos e visibilidade para minorias —o que causa desconforto para a maioria religiosa e conservadora.
A questão não é a falta de apreço dos evangélicos pela democracia, mas um desconforto com o tipo de sociedade que as democracias liberais constroem. É nesse ponto que a extrema direita se aproveita para vender ilusões reacionárias de retorno ao passado.
O desafio para políticos, acadêmicos, mídia e líderes religiosos é demonstrar que a democracia é um espaço para diálogo entre maiorias e minorias, buscando soluções concretas. No entanto, direita e esquerda frequentemente tratam a democracia como um princípio absoluto, em vez de um mecanismo para conciliar diferenças.
Governar priorizando exclusivamente a maioria, em detrimento das minorias, resulta em uma tirania disfarçada de democracia. Da mesma forma, governar reprimindo a maioria para amplificar vozes minoritárias cria um vanguardismo que a sociedade pode rejeitar. A democracia deveria ser um bem, não um ídolo, da direita ou da esquerda.