A construção de um túnel viário na Vila Mariana —que atraiu protestos de moradores e foi paralisada por decisão da Justiça— deve trazer poucos benefícios à fluidez do trânsito, na opinião de especialistas em mobilidade ouvidos pela Folha. Eles questionam a necessidade da obra e a relação custo-benefício do projeto.
Essas críticas à eficiência do túnel se somam aos danos ambientais, já que há uma previsão de derrubada de 172 árvores, sendo 78 nativas. A decisão judicial determina que dois peritos para analisem, em 15 dias, se a obra pode continuar sem causar danos. Eles também terão de verificar se há indícios de irregularidade técnica no licenciamento ambiental.
Para fazer a ligação entre a rua Sena Madureira e a avenida Ricardo Jafet, serão construídos dois túneis que, juntos, somam 1,6 km de extensão. A Álya Construtora, antiga Queiroz Galvão, conduz o projeto.
“A maior parte do que vai acontecer é empurrar o congestionamento mais adiante”, disse o engenheiro Mauro Zilbovicius, professor da Escola Politécnica da USP (Universidade de São Paulo). “Se você olhar o mapa da cidade, as obras que precisam ser feitas, o custo delas e o benefício, onde é melhor investir —porque o dinheiro é limitado e o resultado tem que ser o maior possível— tem muito mais coisa importante para ser feita”
Ele diz que a prioridade da prefeitura na área de mobilidade deveria estar no investimento em transporte público de qualidade, especialmente na ligação do extremo sul da cidade com a região central. “Não está nem entre as cinco obras várias mais importantes na cidade, eu diria”, disse Zilbovicius, citando o entroncamento da avenida Dona Belmira Marin, na zona sul, como um dos piores gargalo de trânsito da cidade.
Ele também diz que o impacto para a segurança dos moradores do bairro precisa ficar mais claro. “Essa lógica puramente rodoviária, do veículo, esquece do pedestre. Tirar o semáforo pode aumentar a fluidez pode ser bom [para veículos], mas é péssimo do ponto de vista de segurança do pedestre”
O professor Claudio Barbieri da Cunha, do Departamento de Engenharia de Transportes da USP, diz que o túnel provavelmente será eficiente por pouco tempo, pois deve atrair mais tráfego de veículos e se tornar obsoleto em menos de cinco anos. “Não vejo essa obra como importante ou prioritária para a cidade”, afirmou.
Os dois especialistas compararam o projeto do túnel com a criação da pista intermediária na marginal do Tietê, obra realizada durante a gestão José Serra (2005-2006). A avaliação é que a obra desafogou o trânsito por um curto período de tempo, até o fluxo de veículos aumentar e os congestionamentos retornarem. “O que já se percebeu em nível mundial é que não dá para correr atrás do prejuízo e melhorar o trânsito investindo no sistema viário para o carro.
No processo judicial que embasou a decisão de paralisar a obra, há apenas um estudo de tráfego que contabiliza o volume de veículos na área que seria afetada pelo túnel. O documento foi elaborado em 2009, ou seja, antes do trânsito na capital mudar com os efeitos da pandemia de Covid-19.
O estudo estima que um total 3.800 veículos utilizariam o túnel no horário de pico da manhã em dias úteis. As projeções são para 2030. O mesmo estudo estima que, na área de influência da obra, circulam 17,6 mil veículos no mesmo horário e seriam impactados.
O prefeito Ricardo Nunes (MDB) reclamou nesta quinta-feira da paralisação da obra. “A gente está prestando os esclarecimentos”, afirmou. “A população tem direito de saber que a prefeitura, o tempo inteiro, dialogou. E que por parte do Ministério Público e, agora, da Justiça, eles acabaram quebrando um diálogo que a gente estava tendo.
A prefeitura afirmou, em nota, que a obra “beneficiará mais de 800 mil pessoas que circulam na região diariamente”. A estimativa tem como base “a população dos bairros vizinhos impactados pelas áreas de influência do futuro túnel e estudo de tráfego” no Estudo de Impacto Ambiental da obra, diz a administração municipal.