Liderança quilombola que integra comissão dos atingidos pelo desastre de Mariana, Simone Silva afirma que a decisão da Justiça Federal de absolver as empresas Samarco, BHP Billiton e Vale pelo acidente que rompeu a barragem de Fundão é a continuidade do que considera uma “prisão perpétua”.
Ela conta que sua filha Sofya, 9, tem sequelas de intoxicação por conta do acidente, com uma inflamação no cérebro que pode se tornar câncer a qualquer momento.
A Justiça Federal absolveu nesta quarta-feira (14) as empresas pelo acidente ocorrido em 2015 e que causou a morte de 19 pessoas e despejou 43,8 milhões de metros cúbicos de rejeitos no meio ambiente. Foram absolvidas também 22 pessoas, entre diretores, gerentes e técnicos, que estavam sendo responsabilizados pela tragédia.
Conforme a decisão da juíza Patrícia Alencar Teixeira de Carvalho, a justificativa a “ausência de provas suficientes para estabelecer a responsabilidade criminal” dos réus envolvidos no caso. O MPF (Ministério Público Federal) vai recorrer.
O MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens) considerou a decisão “equivocada” e salientou que isso acontece num momento “extremamente favorável para as mineradoras”, uma vez que foi assinado o acordo de repactuação às vésperas de completar nove anos do desastre.
“Diante da indignação pela absolvição dos envolvidos no maior crime socioambiental ocorrido no país, o Movimento dos Atingidos por Barragens reforça seu compromisso na busca por uma verdadeira justiça para o caso, acionando inclusive recursos em instâncias superiores. Também seguimos confiantes na tramitação do caso na corte inglesa, esperando que enfim os criminosos sejam punidos e os atingidos sejam devidamente reparados”, diz a nota do movimento.
Para Simone Silva, a decisão da Justiça foi como uma condenação às vítimas.
“Estou há nove anos pedindo socorro pela minha filha, pela minha família, pela comunidade, e hoje a Justiça toma uma decisão assim. Quem fará justiça pelos nossos agora?”, lamenta ela à Folha.
Tiago Alves, integrante da coordenação nacional do MAB, disse que recebeu a notícia com indignação. Ele lembrou das famílias que perderam parentes na tragédia e as que continuam sofrendo com o que aconteceu em 2015.
“Existem muitas e muitas e muitas famílias que vivem desde então os danos sociais e ambientais [do desastre]. O nosso compromisso enquanto movimento é continuar com a luta.”
O advogado Alberto Zacharias Toron, que defendeu a BHP, afirmou em áudio à coluna Mônica Bergamo que a sentença merece “aplausos efusivos”. Ele salientou que, “a despeito de toda a dor causada pelas mortes e de todo o mal ambiental causado pelo acidente”, a juíza entendeu que não houve imprudência, imperícia ou dolo que pudesse ter causado o acidente.
A empresa, por meio de nota, disse que “a BHP Brasil não foi notificada” e que, como uma das acionistas da Samarco, sempre esteve comprometida com os esforços de reparação em andamento no Brasil devido ao rompimento da barragem.
Questionada, a Samarco reiterou o lamento do rompimento da barragem de Fundão e reafirmou o compromisso com a reparação e compensação integral dos danos às famílias, comunidades e ao meio ambiente. Segundo a empresa, “a decisão da Justiça Federal brasileira reflete a defesa e os fatos apresentados no processo e confirma que a empresa sempre agiu de acordo com a legislação vigente”.
Além da morte de 19 pessoas, o rompimento da barragem de Fundão em 5 de novembro de 2015 despejou 43,8 milhões de metros cúbicos de rejeitos no meio ambiente.
O processo
O MPF denunciou as quatro empresas e 22 pessoas em outubro de 2016 —21 foram denunciadas por homicídio qualificado, crimes ambientais, inundação, desabamento, lesões corporais graves e uma delas foi denunciada por apresentação de laudo ambiental falso. Em 2019, os crimes de homicídio saíram do processo porque a Justiça Federal entendeu que as mortes foram causadas pela inundação.
Na decisão, a juíza Patrícia Alencar Teixeira de Carvalho argumentou que houve uma “busca obtusa por culpados” no âmbito das investigações e que isso seria incapaz de evitar tragédias semelhantes.
“Impor ao Direito Penal um papel central na gestão de riscos extremos nem sempre é útil, adequado e racional. Pelo contrário. Quando um risco se concretiza em uma catástrofe colossal, os esforços da investigação deveriam ser prioritariamente dirigidos a descortinar as razões de ordem técnico-científicas que determinaram o evento, para que ele jamais volte a ocorrer. Nesse sentido, a busca obtusa por culpados é incapaz de evitar outras tragédias e, dificilmente, desastres dessa ordem podem ser explicados, exclusivamente, pela conduta de alguns indivíduos”, afirma.
Na esfera cível
No dia 6 deste novembro, o STF (Supremo Tribunal Federal) homologou o acordo de R$ 170 bilhões entre BHP e Vale, controladoras da Samarco, e o Poder Público sobre a tragédia de Mariana.
Como mostrou a Folha, os atingidos têm de decidir se aderem aos termos acertados no país ou se aguardam pelo desfecho do julgamento na Inglaterra, cuja sentença deve vir em meados de 2025. O passo seguinte, caso a BHP seja condenada, seria determinar o valor de indenização de cada litigante.
O acordo brasileiro prevê que as famílias que não conseguiram comprovar que foram afetadas pela tragédia receberão uma indenização de R$ 35 mil, enquanto pescadores e agricultores têm direito a R$ 95 mil.