Mais de um terço dos professores de ensino médio do Brasil precisa dar aula em duas ou mais escolas. Em algumas disciplinas, como física, química e biologia, cerca de 40% dos docentes encaram jornadas múltiplas de trabalho em mais de uma unidade.
Os dados são de uma pesquisa da Fundação Carlos Chagas feita em parceria com a Universidade de Stanford e o D³e (Dados para um Debate Democrático na Educação). O estudo foi elaborado com informações do Censo Escolar 2023.
O ensino médio é a etapa da educação básica com a maior proporção de professores (36,4%) que precisam atuar em mais de uma escola (seja dentro ou fora da mesma rede pública e em colégios particulares). Em seguida, aparecem os anos finais do ensino fundamental, com 34,4%.
A situação dos professores brasileiros contrasta com a dos docentes de países ricos. Os membros da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) têm uma média de apenas 5% dos docentes de anos finais do ensino fundamental atuando em múltiplas escolas.
Em algumas redes estaduais esse percentual é ainda maior. Em Pará, Rio de Janeiro, Piauí e Mato Grosso mais da metade dos professores precisam trabalhar em mais de uma escola.
Os pesquisadores alertam que, apesar de a situação ser encarada como comum no Brasil, o trabalho em múltiplas escolas prejudica a saúde dos professores e também interfere na qualidade do ensino. Além de ser mais um sintoma da precariedade da profissão, com baixos salários, instabilidade na contratação e excesso de trabalho.
“Outros estudos mostram o maior adoecimento de professores que dão aula em mais de uma escola, porque eles têm uma carga de trabalho maior. As pesquisas mostram que eles têm mais chances de faltar por problemas de saúde, sobretudo por questões psicológicas e relacionadas à voz”, diz Gabriela Moriconi, uma das autoras do estudo.
Além disso, ter que trabalhar em mais de uma escola acarreta um gasto substancial do tempo com deslocamentos, sobretudo em grandes cidades, o que pode comprometer os intervalos para alimentação e descanso.
“O professor que trabalha sempre no limite, correndo de uma escola para a outra, muitas vezes não consegue nem usufruir o direito de ter tempo para se alimentar. Isso é um fator de estresse a mais para uma profissão que já demanda muito.”
A atuação em mais de uma escola também prejudica diretamente a criação de vínculo do professor com os estudantes e colegas de trabalho. Segundo o estudo, há evidências de que esses docentes participam menos de atividades coletivas nas unidades, como os conselhos escolares e planejamento do projeto pedagógico.
Segundo o levantamento, os professores de física (40,7%), química (38,6%), sociologia (38,3%) e biologia (38%) são os que têm mais chances de atuar em múltiplas escolas. Já entre os docentes de português e matemática, disciplinas com mais aulas por semana, a incidência é de 20%.
“Essa situação não acontece em outros países, mesmo com professores especialistas de áreas com menos aulas, porque nesses lugares se entende que o trabalho docente não se restringe a dar aula. Em vários países, o professor leciona 20 horas por semana e o resto do tempo é preenchido com orientação aos estudantes, atividades extracurriculares”, explica Gabriela.
O estudo também identificou que o acúmulo de trabalho em mais de uma escola é mais comum em etapas intermediárias da carreira, sendo a situação de 20% dos professores com idade entre 36 e 45 anos.
Em junho, o governo Lula (PT) encaminhou ao Congresso o projeto de lei do novo Plano Nacional de Educação, com vigor de 2024 a 2034. Nele, uma das metas cita que o país deve “priorizar o cumprimento da jornada de trabalho pelos profissionais do magistério em um único estabelecimento escolar”.
“Os governos sabem da importância de dar condições para o professor trabalhar em um único lugar, mas poucas estratégias são de fato implementadas”, diz Moriconi. Entre as ações necessárias, está a valorização da remuneração docente e o cumprimento de jornadas de até 40 horas semanais com a reserva de um terço do tempo para trabalho extraclasse.
Com o maior percentual de professores que atuam em múltiplas escolas, a Secretaria de Educação do Pará respondeu que paga o melhor salário médio do país aos professor, no valor de R$ 11,4 mil. A a pasta da gestão Helder Barbalho (MDB) também disse ter contratado 4.000 novos docentes em 2023 e afirmou que está ampliando o número de escolas em tempo integral com incentivo para os profissionais que atuarem em uma única unidade.
A Secretaria de Educação do Rio de Janeiro, que tem a segunda maior proporção, afirmou que estabeleceu uma meta de migração de carga horária de 18 para 30 horas semanais para alcançar 5.000 servidores até o final deste ano. “Até o momento, 4.435 já concluíram este processo, o que contribui significativamente para escolha do professor em atuar em uma única escola”, disse a pasta do governo Cláudio Castro (PL).
As secretarias de Piauí (governado por Rafael Fonteles, PT) e Mato Grosso (gestão Mauro Mendes, União Brasil) não se manifestaram.