Mais do que nunca, a crise climática está se tornando uma crise de saúde. A questão tem gerado impacto direto e indireto sobre a saúde da população e sobre as condições de trabalho dos profissionais da área, afinal, afeta padrões epidemiológicos e agrava não só a saúde física, mas também mental.
Os efeitos das mudanças climáticas se manifestam de diversas formas no campo da saúde. Questões epidemiológicas estão em constante transformação, com o surgimento e a intensificação de doenças transmissíveis, como a dengue, por exemplo, que têm seus ciclos de transmissão alterados por fatores climáticos, como o aumento da temperatura e mudanças nos padrões de precipitação.
Um amplo e profundo estudo sobre o impacto das mudanças climáticas na saúde foi publicado na renomada revista científica The Lancet, em 29 de outubro, e traz um destaque nessa questão. Segundo a publicação, a carga global da dengue aumentou acentuadamente nas últimas duas décadas, com mais de 5 milhões de casos relatados globalmente em 2023. No Brasil, país que foi intensamente atingido, a situação fez explodir os atendimentos nas unidades de saúde, causando uma sobrecarga a um sistema já sobrecarregado.
O Brasil também vivenciou recentemente um dos mais trágicos desastres naturais, o pior da história do Rio Grande do Sul, após as tempestades que assolaram o estado. Em eventos climáticos como esse, os efeitos sobre a saúde mental são evidentes, uma vez que aumentam o estresse, a ansiedade e os transtornos psicológicos tanto para os indivíduos diretamente afetados quanto para as comunidades próximas.
Em um outro aspecto – a exposição ao calor -, o estudo do The Lancet ressalta que os impactos na saúde relacionados ao clima extremo e às mudanças climáticas estão afetando a produtividade do trabalho, levando a uma perda recorde de 512 bilhões de horas de trabalho potenciais em 2023, no valor de US$ 835 bilhões em perdas potenciais de renda.
Esses eventos climáticos extremos costumam intensificar desigualdades já existentes, pois as populações mais vulneráveis ou em condições de moradia irregular possuem menos recursos para se adaptar e responder a crises. Diante disso, os profissionais de saúde enfrentam o desafio de atender comunidades em situações ainda mais difíceis, lidando com uma crescente demanda relacionada a esses desastres, que inclui desde problemas de saúde agudos, como traumas e doenças respiratórias, até questões de longo prazo, como deslocamentos populacionais e insegurança alimentar.
O cenário exige uma adaptação constante às mudanças nos padrões de doenças e nas demandas emergenciais, além de um esforço adicional para promover ações de prevenção que mitiguem os efeitos das mudanças climáticas sobre a saúde. Isso envolve desde o acompanhamento de surtos e desastres até a elaboração de protocolos de resposta ágil.
É fundamental que as políticas de gestão do trabalho em saúde incorporem a questão das mudanças climáticas em suas diretrizes, incentivando a formação de profissionais e o fortalecimento das estruturas de saúde capazes de enfrentar os desafios de um ambiente em transformação. Somente com uma abordagem proativa e inclusiva poderemos reduzir os impactos negativos das mudanças climáticas na saúde e assegurar que o sistema de saúde esteja preparado para atender às necessidades da população de maneira justa e eficaz.
Os profissionais de saúde ocupam uma posição fundamental de liderança na resposta às mudanças climáticas. Um sistema de saúde resiliente a essa questão induz um desenvolvimento humano mais saudável, equitativo e sustentável. Estabelece, também, as bases para o crescimento econômico e para a universalização do acesso aos serviços de saúde, contribuindo para a melhoria de vida das pessoas e para a territorialização da agenda global de clima, saúde e ambiente. O compromisso com uma abordagem holística e sustentável para o planejamento e a resposta a desastres será fundamental para proteger vidas, preservar a saúde pública e fortalecer a resiliência comunitária frente aos crescentes desafios climáticos do futuro.
O relatório da 2ª edição do projeto Diálogos sobre Políticas para Resiliência e Bem-estar dos Profissionais de Saúde lança luz sobre essa questão em um de seus capítulos. Desenvolvido pelo Synergos Brasil — organização internacional que fomenta o conhecimento entre lideranças para enfrentar desafios sociais — em parceria com a FGVsaúde, o material destaca, ainda, outros fatores críticos que afetam esses trabalhadores, ameaçando sua saúde física e mental e, assim, a qualidade dos serviços e a segurança dos pacientes. As várias formas de violência, como discriminações e assédio no trabalho, por exemplo, são outro ponto sensível trazido no documento.
Discussões como essas são fundamentais para criar um espaço de diálogo e construção conjunta de conhecimento, estabelecendo uma visão comum que promova parceria e colaboração no setor. Assim, a resiliência e o bem-estar dos profissionais da saúde são elevados ao topo das prioridades das lideranças.
**Este é um artigo de opinião. A visão da autora ou autor não necessariamente expressa a opinião do Instituo de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS).
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Ana Maria Malik é coordenadora do FGVsaúde; Evangelina da Motta Pacheco Alves de Araujo é doutora em patologia pela Faculdade de Medicina da USP e criadora e fundadora do Instituto Ar; e Silvia Morais é diretora para a América Latina do Synergos.
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