O Brasil divulgou nesta quarta-feira (13) o texto oficial de sua nova meta de combate à mudança climática. Pela primeira vez, o documento submetido pelo país à ONU (Organização das Nações Unidas) menciona a redução no uso de combustíveis fósseis como uma das medidas a serem adotadas nacionalmente para conter a emissão de gases de efeito estufa.
A atualização da meta (conhecida como NDC, sigla em inglês para contribuição nacionalmente determinada) diz que o país tem a ambição de cortar as emissões de gases de efeito estufa de 59% a 67% em 2035, na comparação com os níveis de 2005.
Esses valores equivalem a limitar as emissões a um teto entre 850 milhões e 1,05 bilhão de toneladas de gás carbônico equivalente em 2035. O objetivo se aplica à economia como um todo.
Esses números tinham sido antecipados pelo governo brasileiro na última sexta (8), mas o texto completo ainda não havia sido publicado.
A divulgação foi feita pelo vice-presidente, Geraldo Alckmin, e a ministra do Meio Ambiente e Mudança Climática, Marina Silva, na COP29, a cúpula de clima da ONU, que acontece em Baku, capital do Azerbaijão.
Essas e outras medidas citadas no documento, assim como o detalhamento das ações para que sejam alcançadas, estão atreladas ao Plano Clima. A política nacional voltada ao enfrentamento das causas e consequências do aquecimento global está sendo elaborada desde 2023 e deve ser divulgada em 2025.
Essa é a quinta versão da meta climática brasileira. Nenhuma das anteriores mencionava a diminuição no uso de petróleo, gás e carvão, cuja queima em todo o mundo responde por 75% dos gases que aquecem o planeta.
“No setor de energia, o Plano Nacional do Clima fornecerá detalhes sobre a expansão da geração de eletricidade e, a médio e longo prazo, a substituição gradual do uso de combustíveis fósseis por soluções de eletrificação e biocombustíveis avançados”, diz o texto.
No ano passado, o acordo final da COP28, nos Emirados Árabes, trouxe, também de maneira inédita, a proposta de que os quase 200 países signatários do Acordo de Paris começassem a reduzir o consumo de combustíveis fósseis, para evitar os piores impactos das mudanças climáticas.
“O Brasil receberia com satisfação o lançamento de trabalhos internacionais para a definição de cronogramas para a transição dos combustíveis fósseis nos sistemas de energia, de maneira justa, ordenada e equitativa, com os países desenvolvidos liderando [o movimento]”, continua o documento.
O país pede, ainda, que isso seja feito “com base na melhor ciência disponível” e refletindo critérios de equidade, responsabilidade histórica pelas emissões e respeito às capacidades nacionais de diferentes nações.
O texto também promete esforços para zerar o desmatamento ilegal e adotar medidas de compensação pelas emissões geradas por remoções de vegetação autorizadas.
“Isso exigirá não apenas o fortalecimento e aprofundamento das medidas existentes de comando e controle [fiscalização ambiental], mas também a instituição de incentivos econômicos positivos para a manutenção das florestas em propriedades rurais privadas”, afirma o documento.
Porém, assim como no tema da redução do uso de energia suja, o governo não se compromete com prazos para que essas medidas sejam implementadas.
A NDC diz que a restauração florestal será uma peça-chave na estratégia nacional, já que contribui para a remoção de carbono da atmosfera, e reitera o objetivo de alcançar a neutralidade climática até 2050. Promete também que medidas de adaptação às mudanças do clima serão adotadas em nível nacional, estadual e municipal.
A ausência de prazos foi criticada pelo Observatório do Clima, rede que reúne mais de uma centena de ONGs no Brasil. “A NDC brasileira ainda permite níveis altos de desmatamento em 2035”, disse a entidade.
À imprensa em Baku nesta quarta, Marina reafirmou que o país tem o compromisso de zerar o desmate até 2030, conforme promessa do presidente Lula na COP27, no Egito, logo após a eleição para o terceiro mandato.
O Observatório do Clima também criticou a ausência de prazos para a transição dos combustíveis fósseis. “Como presidente da próxima COP, o país tem o poder de pautar essa discussão em Belém em 2025. No entanto, a NDC silencia sobre os próprios planos de expansão de produção de combustíveis fósseis pelo Brasil —que pretende aumentar em mais de um terço a extração de óleo e gás”, avaliou a rede, em nota.
O texto apresenta o Plano de Transformação Ecológica, lançado pelo Ministério da Economia na COP28, como um instrumento para atração de investimentos internacionais públicos e privados necessários para o cumprimento da meta climática.
“O Brasil convida a comunidade internacional e atores não estatais a contribuir para a transformação ecológica do Brasil engajando-se por meio de apoio e investimentos”, diz.
O documento também ressalta que “a ambição, escala e alcance dos esforços do Brasil estão alinhados, se não superando, aqueles dos países desenvolvidos mais historicamente responsáveis pelas mudanças climáticas”.
A última NDC submetida pelo Brasil, em 2023, prometia emitir no máximo 1,3 GtCO₂e (gigatoneladas, ou bilhões de toneladas, de gases de efeito estufa) em 2025 e 1,2 GtCO₂e em 2030. Esse objetivo representava um corte de 48% nas emissões até 2025 e de 53% até 2030, na comparação com 2005.
Em entrevista coletiva em Baku, após a entrega do documento, Marina Silva defendeu a existência da “banda” —como é chamada a faixa da meta— na nova NDC, com corte proposto de 59% a 67%.
“Nosso foco é o número absoluto de 850 milhões de toneladas de CO2 e uma redução de 67%”, disse. “A ideia de uma banda é tão somente para ter ali um processo que assimile possíveis variações, como nós temos na inflação”, completou.
Segundo a ministra, o objetivo “não é usar a banda para se acomodar naquilo que é menos”. “A banda é tão somente para dar suporte para alcançarmos mais. E o mais não tem teto. Queremos cada vez mais ambição.”
Críticas
Marina Silva definiu a nova meta como “altamente ambiciosa”. ONGs ambientalistas viram no anúncio, porém, um sinal oposto.
“[As metas de corte] não estão desalinhadas apenas com o objetivo de 1,5°C do Acordo de Paris: elas também estão fora de sintonia com compromissos já assumidos pelo próprio Brasil”, criticou o Observatório do Clima.
Segundo análise do grupo, “o conjunto de promessas feitas e políticas já adotadas levaria o país a um teto de emissões líquidas de 642 milhões de toneladas de CO2 equivalente (MtCO2e), muito abaixo da ‘banda’ de 1.050 MtCO2e a 850 MtCO2e adotada pelo governo”.
Para Karen Silverwood-Cope, diretora de clima da ONG WRI Brasil, o intervalo estabelecido na meta “vai de razoável a insuficiente”. “Por um lado, reduzir as emissões em 67% até 2035 (em comparação a 2005) pode colocar o Brasil no caminho para a neutralidade climática até 2050. Por outro, reduzir apenas 59% até 2035 é uma contribuição aquém do necessário para o mesmo objetivo”, disse.
“O anúncio do intervalo com tanta margem de impacto sobre a contribuição do país lança incertezas sobre a real trajetória a ser buscada pelo governo”, afirmou também.