Estabilidade é essencial para proteger o servidor de pressões externas, mas adotar outros regimes de contratação também ajuda o Estado a planejar a força de trabalho, de acordo com especialistas. Regulamentar a avaliação de desempenho, prevista na Constituição mas ainda incipiente no setor, pode ajudar a conceder esse benefício a quem produz mais.
A progressão na carreira, que em casos como dos auditores fiscais da Receita pode culminar em salários próximos ao teto constitucional (hoje de R$ 44 mil), também deve depender do desempenho do profissional.
De acordo com Roberto Pojo, secretário de Gestão e Inovação do MGI (Ministério da Gestão e da Inovação), o programa de desempenho do governo federal busca implementar essa prática. Instituído por decreto em 2022, o programa já gerou demissões por baixa produtividade.
Para o secretário, o serviço público brasileiro ainda não é maduro o suficiente para dispensar a estabilidade, diferentemente da Suécia, onde apenas 1% dos servidores contam com esse benefício.
“A questão é que a estabilidade não pode ser absoluta, como um ato de proteção perpétuo, independentemente da performance e das ações da pessoa”, diz.
Pojo foi um dos participantes da mesa O Futuro da Gestão Pública no seminário O Setor Público em Transformação, realizado pela Folha e pelo Movimento Pessoas à Frente nesta segunda-feira (11), voltado à gestão de pessoas no setor público. O debate foi mediado por Jairo Marques, editor de Vida Pública.
A discussão sobre estabilidade ocorreu na esteira da decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) da quarta-feira (6), que permitiu a flexibilização de contratos da administração pública. O setor poderá contratar profissionais sob o regime CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), sem necessidade de concurso público.
A definição da corte não acaba com a estabilidade: mesmo celetista, o servidor ainda passará por processo administrativo disciplinar, que apura possíveis infrações, antes de ser demitido.
O setor público já convive com uma variedade de regimes contratuais, segundo Vera Monteiro, professora de direito administrativo da FGV (Fundação Getulio Vargas). Isso vai desde os contratos temporários até agentes comunitários de saúde, que têm regime de trabalho próprio.
“Ter servidores celetistas nunca gerou dúvida sobre a qualidade [do serviço] e a estabilidade que esse regime de emprego público também garante”, afirma. “A pergunta é como usar essas modalidades para fazer um bom planejamento de trabalho.”
Profissionais temporários, por exemplo, são uma das categorias que mais crescem no setor. De 2017 a 2021, o número de servidores sem vínculo permanente na gestão pública aumentou 67%, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) de 2022.
Contratos temporários são previstos na Constituição para necessidades de excepcional interesse público, mas ainda não foram regulamentados em nível nacional.
Segundo o deputado federal Duarte Junior (PSB-MA), mudanças na forma de contratação devem ser vistas com cautela para evitar a precarização do serviço público. Ele diz que a estabilidade dá segurança às decisões do profissional, o que fortalece o setor.
“Se [o servidor] não tiver estabilidade, como proferir decisões que visam o interesse público sem ter pressão de alguém com interesse clandestino que se sobreponha?”, questiona.
Outro tema debatido na mesa foram as remunerações acima do teto constitucional. A discussão tomou força na gestão pública após o governo defender a aprovação do projeto de lei que limita supersalários. O intuito é reduzir despesas obrigatórias.
Segundo Vera Monteiro, da FGV, carreiras com poder de barganha, como os magistrados, conseguem se articular para manter penduricalhos, que elevam o salário e não estão sujeitos à tributação do imposto de renda. O PL, em tramitação na Câmara desde 2016, tem 32 exceções que autorizam o pagamento acima do teto, algo criticado pela professora.
“Alguns elementos que entraram na lista acabam fazendo com que o PL perca a finalidade”, declara. “É preciso cuidado, porque a redação dele atualmente foi capturada por outros interesses.”
Os participantes da mesa discutiram ainda a mobilidade no setor, que permite ao servidor transitar por diferentes órgãos públicos ao longo da carreira. Os especialistas em políticas públicas e gestão governamental, por exemplo, estão entre os poucos profissionais cuja carreira prevê essa flexibilidade.
Elizabeth Hernandes é servidora dessa área e presidente da Anesp (Associação Nacional dos Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental). Para ela, a mobilidade precisa ser expandida no setor, para permitir que servidores aprendam sobre diferentes áreas da administração pública.
“No âmbito dos servidores, há um certo conservadorismo, de que uma carreira pode ter mobilidade, mas a outra, não. Acho que todos têm que se movimentar. Como especialista em políticas públicas, isso me permite ter uma visão positiva da burocracia.”