Um dos principais investigadores do crime organizado no Brasil, o promotor paulista Lincoln Gakiya afirma que Antônio Vinícius Gritzbach, 38, assassinado a tiros no principal aeroporto do país na última sexta-feira (8), tinha muito o que falar. “Ele era um arquivo vivo”, diz. “Estava envolvido em todo tipo de lavagem de dinheiro. Não só do PCC.”
Segundo Gakiya, a delação do empresário e corretor de imóveis, que era jurado de morte pela facção, é muito mais ampla do que tem sido noticiado. Além dos negócios ilegais, o colaborador revelou em seus depoimentos ao Ministério Público de São Paulo situações de extorsão e ameaças feitas a ele por policiais, além do envolvimento de agentes de segurança com criminosos.
Gritzbach relatou a promotores do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) que policiais teriam apagado conversas comprometedoras de seus celulares apreendidos na ocasião em que foi preso acusado de ser o mandante da morte do traficante Anselmo Becheli Santa Fausta, o Cara Preta, durante um ataque a tiros em dezembro de 2021.
Gakiya contou à Folha que o empresário suspeitava que seu depoimento dado à Corregedoria da Polícia Civil, há cerca de dez dias, no qual denunciava policiais civis já citados na delação, teria sido vazado, chegando até investigados. Isso porque, no mesmo dia do depoimento, um policial retirou de uma rede social a foto em que aparecia com um relógio de luxo supostamente extorquido da coleção de Gritzbach.
Apesar do peso desses indícios contra policiais civis, o promotor afirma ser difícil descartar a atuação no PCC no ataque da semana passada —que, além do empresário, resultou na morte do motorista Celso Araújo Sampaio de Novais, 41, que estava no local.
“Havia uma ordem do PCC para matá-lo. Isso ele já sabia”, afirma Gakiya, ele próprio um dos nomes na lista de alvos da facção.
Início das tratativas
Nós fomos procurados pelo Vinícius, acusado de ser mandante de um homicídio [de Anselmo Becheli Santa Fausta, o Cara Preta, suposto chefe do PCC]. Ele foi preso por isso e era réu no júri, mas conseguiu um habeas corpus no STJ para se livrar dessa prisão preventiva e estava em liberdade provisória.
Ele fez um acordo porque ia acabar preso nos processos de lavagem de dinheiro. A delação ainda estava em curso e traz informações que vão além do que a sua defesa tem liberado para a imprensa.
Proteção
Nós oferecemos a ele a inserção no programa de proteção à testemunha. Eu mesmo ofereci, pessoalmente. Ele falou que o programa não se adequava ao seu modo de vida. Queria uma escolta policial, mas não é possível. Se você quiser ingressar no programa de proteção e, eventualmente, ter escolta, é outra situação. Mas não se disponibiliza escolta para um réu fora do programa.
Teor da delação
Ele fazia negócios para esses três [Cara Preta, Django e Cebola, todos líderes do PCC]. Ele vendia imóveis para eles, arrumava laranjas para registrar esses imóveis, aplicava o dinheiro deles. Estava envolvido em todo tipo de lavagem de dinheiro. E não só deles. Ele acabou entregando corrupção policial, não só por ocasião do homicídio, quando começaram a extorquir dinheiro dele, mas também corrupção, sobre o envolvimento de policiais com o PCC. A delação é bem ampla, ele fala sobre vários assuntos, e todos eles graves. Ele era um arquivo vivo.
Suspeitas contra policiais
Ele já tinha ido até a Corregedoria [da Polícia Civil para denunciar extorsões de policiais] e não deu nada. O caso foi arquivado. Foi quando ele veio nos procurar para propor a delação, já com mais provas de que havia sido alvo de extorsão e ameaçado. No curso da investigação do homicídio [de Cara Preta], roubaram relógio, imóveis, pediram dinheiro, e ele tinha provas de parte disso. Inclusive ele acusava a polícia de ter apagado, dentro da delegacia, os dois celulares dele apreendidos porque eles continham conversas com policiais. Há dez dias, ele esteve na Corregedoria, junto com colegas do Ministério Público, porque parte da delação envolvia policiais. E ele havia reclamado que esse depoimento teria vazado porque um dos policiais suspeitos que aparece com o relógio dele [Gritzbach] numa foto na rede social, no mesmo dia, retirou a foto da internet. Então, sim, é uma suspeita que, quando ele foi depor, esse depoimento possa ter vazado e chegado até o investigado.
Hipóteses para o crime
Hoje, não dá para cravar nada. Apesar de ele negar ser o mandante do homicídio [de Cara Preta], para o PCC ele era o mandante e estava jurado de morte. O Cara Preta foi assassinado, e o Django [Claudio Marcos de Almeida], que era um parceiro do Cara Preta, foi designado para eliminar os autores do homicídio. Mataram o tal do Noé [Alves Schaum], que foi quem atirou no Cara Preta. E, quando chegaram no Vinícius, iam matá-lo também, mas acabaram não matando porque ele mencionou um token de criptomoedas que foram liberadas para o Django. Como o Django não o matou, acabou sendo morto, assim como o Japa [Rafael Maeda Pires], que estava junto e também não matou o Vinícius. Ou seja, as pessoas que não executaram o Vinícius acabaram sendo mortas. Então, evidentemente, havia também uma ordem do PCC para matá-lo.
Escolta de PMs
São duas situações que causam suspeita. Primeiro, esses policiais aceitarem fazer bico para um réu, o que não é usual. Agora, se você está fazendo uma escolta de uma pessoa com risco muito alto de atentado, é difícil a gente entender que policiais tenham agido com tamanha negligência. Eu vou fazer um paralelo com a minha segurança: eu não desembarco do avião se a escolta não estiver na porta do avião. “Ah, mas atrasou”, “foi indo na frente”, “depois eles me encontram”. Isso não existe.
Como os assassinos saberiam exatamente o momento do desembarque? Eles o estavam monitorando desde a saída do avião. O fato de os seguranças atrasarem nesse momento não é algo usual.
Infiltração do crime organizado
É um Estado de máfia. É uma verdadeira falência do Estado, é uma verdadeira infiltração dessas organizações criminosas nos poderes do Estado. Principalmente na questão de segurança pública. Isso é algo que preocupa demais. Um atentado, um assassinato desse, à luz do dia, na saída do aeroporto mais movimentado do Brasil, foi justamente para passar um recado: Aquele que foi decretado, aquele que delatar, vai ser morto. Seja por policiais corruptos, seja pela organização criminosa mesmo, o PCC.
Lincoln Gakiya
Promotor de Justiça do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado do Ministério Público de São Paulo), atua em Presidente Prudente (a 558 km de São Paulo). Está há mais de 30 anos na Promotoria e há 20 investiga o PCC