Diagnosticado com TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade), o estudante Felipe Chaves, 18, sempre teve dificuldades de leitura. Infância e adolescência foram marcadas pela frustração em ter que reler várias vezes os mesmos parágrafos e pelo mau desempenho escolar. Recentemente, descobriu nos audiobooks uma solução prática.
De acordo com especialistas, os livros em formato de áudio, narrados por uma ou mais pessoas, oferecem uma alternativa eficaz para pessoas com desafios de concentração, retenção de informações e processamento de leitura.
Psiquiatra no ambulatório de TDAH adulto da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), Fabrícia Signorelli afirma que é comum dificuldade de leitura em pessoas com o transtorno, apesar de não ser uma regra. Escutar um conteúdo, segundo a especialista, pode ser mais fácil para o entendimento e concentração.
“A leitura faz parte da nossa vida, seja por lazer, trabalho ou estudos. Nesse contexto, o audiobook se mostra realmente uma opção muito viável e que traz ganhos”, diz.
O formato reduz o estresse da leitura e diminui a sobrecarga mental que é gerada pelo ato, diz ela. Isso acontece porque diferentes áreas do cérebro são ativadas quando o paciente faz a escuta do livro.
Felipe recebeu o diagnóstico de TDAH em 2015, quando já estava prestes a repetir o ano escolar.
Tanto na escola como na faculdade, ele lembra que não conseguia terminar os livros que lia por hobby ou os que precisava ler para os estudos. “Às vezes leio uma página inteira de um livro e, depois de terminar, percebo que não prestei atenção em nada ou não entendi o conteúdo”, conta.
Para ele, ouvir o audiobook enquanto faz a leitura ajuda na concentração e no entendimento. “Já teve alguns livros físicos que eu fiquei uma semana no mesmo capítulo, eu ficava ‘espera, não entendi’ e voltava. Mas quando comecei a ouvir, foi muito mais fácil.”
Livros cujas histórias não tem pontuação, como os de José Saramago, apresentam para ele um novo nível de dificuldade que é completamente facilitado pelas entonações da narração de um audiobook.
“Recentemente, também comecei a ouvir livros bíblicos, porque eles têm uma linguagem mais arcaica. Normalmente, quando a linguagem está mais complicada, ter alguém lendo ajuda muito na compreensão.”
No ensino superior, Felipe, que cursa Engenharia Industrial, não faz tanto uso da ferramenta. Mas, por hobby, ele costuma “ouvir” dois livros por mês.
A dificuldade de leitura em pessoas com TDAH acontece porque esses pacientes não conseguem manter a atenção por um período mais prolongado, como no caso das leituras, que exigem foco visual e um esforço cognitivo maior.
“É possível tornar essa leitura mais dinâmica e acompanhar a história por meio do audiobook. Também é possível ajustar a velocidade da narração para que a pessoa possa acompanhar no ritmo que preferir”, explica o neuropsicólogo Rodrigo Maciel.
Segundo o especialista, o cérebro com TDAH apresenta um déficit na memória de trabalho, que é a capacidade de reter informações. Por isso, a sobrecarga torna o texto estritamente visual mais difícil de ser lido e compreendido, enquanto o audiobook pode ser mais envolvente.
De acordo com o Ministério da Saúde, cerca de 11 milhões de brasileiros são afetados pelo transtorno. O TDAH tem início na infância, mas o diagnóstico pode acontecer somente na fase adulta.
A diretora audiovisual Thaise Aglaer, 26, recebeu o diagnóstico de TDAH ainda quando criança. Para ela, o momento de leitura na sala de aula era uma das piores partes do transtorno. Isso porque precisava ler um trecho em voz alta e depois explicar o que havia lido. Mas, assim que terminava, já tinha esquecido todo o conteúdo.
“À medida que crescia, isso passou a me envergonhar, não conseguia ler em público ou conversar sobre leitura com outras pessoas. Acabou que isso me afastou completamente dos livros”, diz.
Neste ano, ela teve conhecimento da existência e facilidade de acesso ao formato depois que uma professora citou a utilidade dele para pessoas cegas e com baixa visão. “Esse ano eu li meu primeiro livro sem todo o terror que a leitura tinha. Eu li e acompanhei o áudio ao mesmo tempo. Fiquei muito feliz.”
Na infância, os audiobooks também são uma opção. Especialistas afirmam que as crianças com TDAH podem se beneficiar muito com os livros em áudio porque geram um maior engajamento. Há opções com diferentes entonações na narração, o que diferencia os personagens, além de trilha sonora.
Há diversos livros em áudio gratuitos na internet, mas também é possível pagar pelo conteúdo. Há versões em áudio de livros disponíveis na Amazon, por exemplo. Alguns aplicativos de assinatura mensal também são uma opção, como o Audible, Skeelo e o Tocalivros.
Entenda o TDAH
O transtorno de déficit de atenção e hiperatividade tem causas genéticas, como hereditariedade e alterações em genes que afetam neurotransmissores (especialmente a dopamina), além de fatores ambientais, como exposição a substâncias durante a gestação e estresse ou traumas na infância.
“Tem crianças que têm uma manifestação mais precoce e outras que a sintomatologia vai ficar mais evidente na idade escolar, que realmente é a idade em que as demandas aumentam. Mas pela falta de conhecimento sobre o transtorno, pode acabar descobrindo só após os 18 anos”, explica a psiquiatra Signorelli.
Os sintomas envolvem dificuldade de ficar parado (em uma sala de aula, por exemplo), falta de atenção e foco, impulsividade, dispersão e dificuldade de organização.
O diagnóstico é clínico, ou seja, feito a partir de um relato da história de vida do paciente. E, apesar de não ter cura, o TDAH é controlado de forma eficaz por meio de medicamentos e terapias comportamentais.