O Metrô de São Paulo discute com o governo estadual a formalização de um contrato que pague mais à companhia por passageiro transportado. A forma de remuneração seria a chamada “tarifa técnica”, um valor pago por passageiro que leva em conta todo o custo de operação da empresa e que já é praticado em contratos com concessionárias das linhas sob administração privada.
A discussão sobre a nova forma de pagamento foi mencionada pelo gerente de operações da estatal, Milton Pinto da Silva Junior, numa reunião com funcionários no dia 24 de outubro. O Metrô confirma que o assunto é tema de estudos em fase inicial “para avaliar sua viabilidade e benefícios”.
Se a mudança for aprovada, ela pode significar um aumento no preço do bilhete pago pelos passageiros. Como o valor da tarifa técnica seria superior ao que hoje é repassado ao Metrô pelo governo, haveria dois caminhos para viabilizá-la: aumentar o que é destinado à companhia no orçamento estadual, retirando verba de outras áreas, ou reajustar o valor cobrado dos passageiros —hoje em R$ 5.
“Está se discutindo a tarifa técnica”, disse o gerente de operações, em áudio da reunião obtido pela Folha. “Hoje, a tarifa técnica do Metrô, com o custeio que nós temos, já se torna competitiva, então o presidente [do Metrô, Julio Castiglioni] está fazendo essa discussão com o governo do estado.”
Atualmente, quando se leva em conta as receitas tarifárias e o número de passageiros, o Metrô recebe do governo menos do que o valor da passagem paga para cada pessoa transportada.
Os repasses são indiretos. Parte é feita num rateio do valor depositado numa conta vinculada ao Bilhete Único, repartido por todas as empresas que operam o transporte metropolitano. Esse cálculo é decidido por consenso e não é proporcional ao número de passageiros transportados.
Outra parte vem das vendas diretamente nas bilheterias e do valor pago por meio do cartão estadual TOP, que também são repartidos com CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) e EMTU (Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos).
Já as concessionárias que operam as linhas 4-amarela e 5-lilás, por exemplo, têm contratos com o governo que estabelecem pagamentos fixos por passageiro. É esse modelo que o Metrô estuda replicar.
Segundo Silva Junior, esse tipo de contrato já foi estudado há cerca de três anos, mas foi considerado desvantajoso aos cofres públicos devido ao alto custo da operação. Ele afirmou que, agora, o valor da tarifa técnica da empresa estaria mais próximo do que é praticado pelas concessionárias privadas, o que a tornaria viável.
Por outro lado, o gerente de operações também disse que a proposta depende do avanço do Plano de Demissões Incentivadas (PDI) da companhia. A ideia é reduzir a folha de pagamento, o que também reduziria o valor da tarifa técnica. No ano passado, a meta do Metrô era desligar 10% dos funcionários e alcançar uma economia de R$ 170 milhões por meio do PDI.
O gerente de operações também disse que o Metrô levaria ao governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) uma proposta para que a companhia volte a ser financeiramente independente do estado.
A ideia foi apresentada aos funcionários como uma maneira de afastar a possibilidade, hoje em estudo, de privatização das linhas administradas diretamente pela estatal.
Quando a companhia estatal alcança o status de independente, a remuneração dos executivos não precisa respeitar o teto salarial do funcionalismo (equivalente ao salário do governador, hoje em R$ 34,5 mil), e a empresa deixa de ser obrigada a seguir regras da Lei de Licitações em seus contratos.
“Se a gente continuar dependente e a empresa continuar estagnada e principalmente paralisada na operação comercial, não importa por qual natureza [por greves ou falhas], só vai acelerar esse processo [de concessão das linhas]”, ele disse. “A gente ainda tem uma chance de nos mantermos independentes do Estado, que hoje está muito próximo de isso acontecer.”
Silva Junior afirmou que o Metrô não utilizou “nem um centavo” de uma subvenção de R$ 500 milhões disponibilizada pelo governo estadual para o ano de 2024. Ele disse que o plano da empresa é manter a subvenção intocada até o fim do ano, para que isso sirva de argumento a favor da independência.
Na proposta da Lei Orçamentária Anual de 2025, enviada à Assembleia Legislativa pela gestão Tarcísio no mês passado, o Metrô aparece como empresa não dependente —o que configura uma mudança em relação ao orçamento deste ano.
Pelas regras estaduais, uma empresa é considerada dependente quando precisa de aportes financeiros para pagar despesas de pessoal ou custeio em geral. O Metrô manteve independência financeira até o ano passado, e só em 2024 passou a ser considerada dependente do governo.
Durante a reunião, ele também fez várias críticas ao Sindicato dos Metroviários e afirmou que paralisações motivadas por discussões políticas devem ter o efeito de “empurrar cada vez mais essa empresa para a concessão”.
Silva Junior hoje integra o terceiro escalão da companhia estadual. Acima dele estão o diretor de Operações, Fábio Siqueira Netto, e o presidente da empresa, Julio Castiglioni —nomeado pelo governador.
Questionado sobre os planos de retorno à independência financeira, o Metrô afirmou, por meio de nota, que “a medida foi possível com as ações de redução de despesas e otimização dos custos operacionais da Companhia estatal ao longo de 2024, projetando um orçamento para 2025 sem a necessidade de subsídios da administração direta para o custeio da empresa”.
“Já a tarifa técnica é objeto de estudos, ainda iniciais, do Governo para avaliar sua viabilidade e benefícios”, afirmou a companhia. A Folha solicitou uma entrevista com um porta-voz da empresa para discutir os planos, o que foi negado.