Nossa compreensão sobre Urano pode ter sido toda errada por quase 40 anos.
Em janeiro de 1986, a Voyager 2, da Nasa, passou rapidamente por ele em uma grande turnê pelo Sistema Solar externo. Essa visita, que durou cinco horas, até hoje permanece como a única feita ao planeta por uma sonda da Terra, e grande parte de nosso entendimento sobre ele provém desse breve encontro.
Curiosamente, enquanto sobrevoava a cerca de 80,5 mil quilômetros acima do planeta, a Voyager 2 descobriu que ele era bastante diferente de outros mundos no Sistema Solar externo. Em particular, seu campo magnético protetor, conhecido como magnetosfera, estava desprovido de plasma, algo prevalente em torno de outros planetas.
“Observamos essa magnetosfera vazia”, disse o físico Jamie Jasinski, do Laboratório de Propulsão a Jato da Nasa. E seus cinturões de radiação, regiões do campo magnético do planeta que aprisionam partículas de alta energia, eram surpreendentemente intensos, algo que “quebra a teoria atual dos cinturões de radiação”.
Agora podemos saber por quê. Em um artigo publicado nesta segunda-feira (11) na revista Nature Astronomy, Jasinski e seus colegas sugerem que a passagem da Voyager 2 se deu durante um aumento excepcional na atividade solar, o que causou a contração da magnetosfera do planeta. Isso criou condições em Urano que ocorreram em apenas 4% do tempo nos dados analisados pela equipe.
“Se tivéssemos chegado uma semana antes, teríamos tido uma imagem completamente diferente de Urano”, afirmou Jasinski.
Fran Bagenal, professora de astrofísica e ciências planetárias na Universidade do Colorado, Boulder, e membro da equipe de ciências de plasma do programa Voyager, disse que foi uma grande surpresa quando viu Jasinski apresentar a pesquisa em uma conferência recente. “Por que não vimos isso?”, questionou ela. “Eu estava me culpando. Foi completamente inesperado.”
A pesquisa também pode suscitar questões importantes conforme os cientistas planejam um possível retorno a esse fascinante mundo com uma sonda espacial da Nasa.
Quando a Voyager 2 passou rapidamente por Urano, Jasinski diz acreditar que o planeta estava sendo atingido por algo chamado região de interação corotativa. Isso é uma explosão de atividade da superfície do Sol que se espalha pelo espaço à medida que a estrela gira, ejetando longos fluxos de plasma para a borda do Sistema Solar. Esse fenômeno foi observado afetando outros planetas, como Saturno. Mas não havia sido considerado para Urano.
“O resultado deles é sólido”, disse o cientista espacial e planetário Adam Masters, do Imperial College London. “Todos estavam concentrados nos dados obtidos perto do planeta, mas eles olharam para os dados obtidos quando a espaçonave estava se aproximando e deixando o sistema de Urano.”
Bagenal acrescentou que “isso explica por que a densidade que vimos era tão baixa”.
A atividade solar teria aumentado a pressão do vento solar na magnetosfera de Urano em 20 vezes, segundo Jasinski, esmagando-a para apenas um quinto de seu volume normal. Isso explicaria tanto a diminuição da quantidade de plasma detectada perto de Urano, que estaria presa mais perto do planeta dentro da magnetosfera, quanto a intensidade dos cinturões de radiação, que teriam sido preenchidos com elétrons energéticos do Sol.
A Nasa está trabalhando em uma missão para retornar a Urano na próxima década. A agência planeja lançar até 2032 uma espaçonave que orbitaria o planeta pela primeira vez e enviaria uma sonda a sua atmosfera. O novo artigo destaca o quanto sabemos pouco sobre o planeta e o quão ansiosos os cientistas estão para retornar.
E pesquisadores dizem que há boas razões para estudar Urano e seu companheiro gigante de gelo, Netuno. Eles fornecem um ponto de comparação para entender muitos mundos semelhantes ao redor de estrelas distantes.
“O motivo pelo qual nos importamos com Urano e Netuno, e seus campos magnéticos e interiores peculiares, é porque a classe mais populosa de exoplanetas são super-Terras e sub-Netunos”, disse Heidi Hammel, uma astrônoma e cientista planetária da Associação de Universidades para Pesquisa em Astronomia.
Muitos cientistas planetários estão entusiasmados em entender melhor Urano, que é particularmente incomum por orbitar de lado em relação aos outros planetas, possivelmente resultado de um impacto gigante no início de sua vida.
“Ele tem estações extremas, e o campo magnético está girando em um ângulo muito estranho”, disse Masters.
Outras perguntas surgem: onde Urano se formou? Como funciona sua atmosfera? Suas luas escondem oceanos como as de Júpiter, Saturno e Netuno?
“Temos muitos mistérios que queremos resolver”, afirmou o cientista do Imperial College London.
Talvez o planeta, no entanto, seja ligeiramente menos incomum do que sugeriu o sobrevoo da Voyager 2. “É por isso que precisamos voltar”, disse Bagenal.