No dia 2 de novembro, participei do Congresso de Felicidade, em Curitiba. O título da minha palestra foi “A revolução da bela velhice: projetos de vida e a busca da felicidade”. Falei durante quase uma hora para um público de mais de 2 mil pessoas. Contei que a minha primeira pesquisa sobre felicidade foi a minha dissertação de mestrado sobre satisfação profissional, defendida na PUC-Rio em 1980. São mais de 45 anos realizando pesquisas sobre dois temas que se tornaram uma verdadeira obsessão: felicidade e liberdade.
Quando faltavam dez minutos para concluir a palestra, contei que quase morri no dia 17 de novembro de 2023 em um incêndio no meu prédio. O bombeiro que me salvou disse que eu tinha 30 segundos para pegar o que eu precisasse no meu apartamento. Peguei uma bolsa de plástico e coloquei nela um caderno, canetas gel, meu celular e meus óculos. Mais nada. Não peguei documentos, dinheiro, joias, roupas… Só um caderno e canetas (que poderia comprar em qualquer papelaria), o celular (sem carregador) e meus óculos (tenho seis graus de miopia). Um detalhe: eu estava com a roupa que uso para caminhar na praia (sandália Havaianas, shorts e camiseta do Carnaval de 2020).
Meu prédio foi interditado e passei um bom tempo em uma casinha de praia do meu cunhado. Lá, escrevi com as minhas lágrimas, meu novo livro.
A semente do livro brotou no dia em que me tornei professora titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro, 08 de maio de 2015. Escrevi um memorial de 60 páginas para a minha progressão, refletindo sobre a minha trajetória, desde a libertação da violência familiar, aos 16 anos, até me tornar professora titular. Escrevi sobre meus medos, inseguranças e vergonhas e, também, como superei os obstáculos, as dificuldades e os desafios que enfrentei durante a vida. Também escrevi sobre a sensação de ser um “peixe fora d´água” em um oceano repleto de tubarões perigosos.
Cada pesquisa que realizei, desde A Outra: um estudo antropológico sobre a identidade da amante do homem casado até A invenção de uma bela velhice, está profundamente conectada com minhas angústias existenciais: a infidelidade masculina e feminina; a revolução de Leila Diniz; a invisibilidade das mulheres; a dor e delícia de envelhecer em uma cultura em que “o corpo é um capital”; a “bela velhice”; as “velhas sem vergonhas” e outras.
Depois de quase morrer no incêndio, nos meses em que estive fora da minha casa, resolvi transformar meu memorial em um livro. Confessei que quando alguém me pergunta “Por que você escreve? Você escreve para quem?”, não sei como responder. Escrevo para todo mundo, mas, na verdade, escrevo só para mim mesma. Não sei explicar por que escrevo. Seria como tentar justificar por que respiro e por que quero continuar viva. Só sei pensar se escrevo. Só sei sentir se escrevo. Só sei viver se escrevo.
Não escrevo para me curar, pois não acredito em cura de uma dor tão dilacerante; escrevo para me sentir menos só e desamparada. Talvez seja este o motivo da minha escrita compulsiva: cuidar, amar e abraçar a menininha invisível para que ela consiga sobreviver em um mundo de violência e miséria afetiva.
Terminei a palestra em Curitiba com uma pergunta: Será que é preciso sobreviver a uma tragédia para descobrir o que realmente dá significado às nossas vidas?
LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.