Com rostos semelhantes a gárgulas, presas afiadas e uma sede insaciável por sangue, os morcegos-vampiros são fonte de pesadelos. E isso antes mesmo de começarem a correr.
Diferentemente da maioria dos morcegos, que evitam o chão, os da espécie Desmodus rotundus são corredores e utilizam suas asas dobradas para impulsioná-los para a frente. Isso os ajuda a perseguir furtivamente gado, e às vezes humanos desprevenidos.
“Eles não querem flutuar e cair diretamente nas costas de uma vaca”, disse o biólogo Kenneth Welch, da Universidade de Toronto Scarborough, que estuda morcegos-vampiros e outros animais com dietas especializadas. “Em vez disso, pousam a alguns metros de distância, aproximam-se silenciosamente da perna da vaca e fazem uma pequena incisão indolor que a vaca nem percebe.”
Essa busca por presas pode ser extenuante. Mas a dieta à base de sangue desses morcegos é pobre em carboidratos e gorduras, aos quais a maioria dos mamíferos recorre para gerar energia.
Como não podem carregar carboidratos, os morcegos-vampiros parecem depender das proteínas do sangue de suas vítimas. Em um artigo publicado na última quarta (6) no periódico Biology Letters, Welch e seu colega dizem que o D. rotundus gera energia rapidamente queimando aminoácidos formadores de proteínas.
Os morcegos-vampiros são os únicos mamíferos que se alimentam de sangue. Contudo esse comportamento também é visto em outros animais, como as moscas tsé-tsé, conhecidas no continente africano por espalhar a doença do sono. Para alimentar seu voo entre as refeições, elas oxidam um aminoácido, a prolina, do sangue que consomem.
Welch já suspeitava que os morcegos-vampiros poderiam quebrar aminoácidos para obter energia. Para testar sua hipótese, sua colega Giulia Rossi, pesquisadora pós-doutorada na Universidade McMaster em Ontário, ajudou a coletar duas dúzias de morcegos-vampiros em Belize.
A equipe alimentou-os com sangue de vaca de um matadouro local. No entanto, antes de os morcegos consumirem o líquido, os cientistas o enriqueceram com altas concentrações de dois aminoácidos, glicina e leucina. Os níveis elevados de aminoácidos, juntamente com outras assinaturas químicas como isótopos no sangue, ajudariam os pesquisadores a rastrear como os morcegos processavam suas refeições.
Depois que as cobaias comeram, cada uma delas foi colocada em uma esteira em miniatura. De acordo com Welch, os morcegos habilidosos inicialmente usaram seus polegares para se prender em fendas e evitar a esteira em movimento. “Eles são como você ou eu, se não quiserem correr na esteira, vão trapacear e ficar parados no lado.”
Porém, quando acostumados à esteira, os morcegos-vampiros mostraram sua aptidão física. À medida que a equipe aumentava a velocidade da esteira, os morcegos primeiro caminhavam, depois trotavam e, no fim, saltavam enquanto a esteira se movia a quase dois quilômetros por hora. A maioria dos morcegos continuou se movendo durante todo o período de teste de 90 minutos.
Conforme os animais corriam, a equipe coletava amostras da respiração deles para medir a entrada de oxigênio e a expulsão de dióxido de carbono. Ao analisarem o CO₂ exalado, os cientistas puderam identificar traços dos aminoácidos do sangue que os morcegos haviam ingerido antes de correr.
Os pesquisadores descobriram que a decomposição tanto da glicina quanto da leucina das amostras de sangue tratadas eram responsáveis por até 60% da produção total de energia dos morcegos durante suas corridas. Isso mostrou que os morcegos-vampiros podem transformar aminoácidos em energia utilizável quase instantaneamente.
De acordo com Michael Hiller, pesquisador do Centro LOEWE para Genômica da Biodiversidade Translacional em Frankfurt, Alemanha, que não estava envolvido no novo artigo, a observação dos pesquisadores sobre a capacidade dos morcegos-vampiros de metabolizar aminoácidos em menos de dez minutos é uma descoberta “sem precedentes em mamíferos”.
O achado, segundo Hiller, representa um caso intrigante de evolução em que morcegos-vampiros e insetos hematófagos desenvolveram um mecanismo semelhante para sobreviver a sua dieta extrema.
Entretanto, a capacidade dos morcegos de quebrar rapidamente os aminoácidos tem um lado negativo. Como seus corpos são especializados em transformar rapidamente proteínas em energia, eles perderam em grande parte a capacidade de processar e armazenar outras fontes de combustível.
Isso os torna suscetíveis à fome. Eles não conseguem armazenar energia a longo prazo, o que significa que passar várias noites sem comer pode ser fatal.
Mas acontece que os morcegos-vampiros também estão dispostos a doar sangue. Quando um deles está com o estômago cheio de sangue, muitas vezes ele regurgita sua refeição para ajudar um companheiro de faminto, que muitas vezes retribui o favor no futuro. Isso garante que os morcegos-vampiros permaneçam abastecidos para caçar sua próxima vítima.