Em seu laboratório no Instituto de Química da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), a pesquisadora Ana Flavia Nogueira aprimora, desde 2016, uma matéria-prima que pode se tornar, segundo analistas do setor, uma das formas mais baratas e eficientes de produzir energia limpa no futuro: a perovskita.
Pioneira no estudo do material no país, Nogueira desenvolve com sua equipe, em Campinas, protótipos com células solares de perovskita que superam as capacidades dos modelos atuais, de silício. Por enquanto, a diferença de eficiência entre os dois materiais é pouco significativa. O que torna a perovskita mais promissora é que, enquanto o silício parece ter atingido seu teto, o aproveitamento da nova tecnologia segue crescendo.
O índice de eficiência das células solares de perovskita na conversão de luz em energia elétrica era de 3,8% em 2009, segundo artigo publicado no Journal of the American Chemical Society. Hoje ultrapassa 26%, contra 24% em média das células de silício.
A perovskita natural é rara. A usada nos experimentos de Nogueira, diretora do Centro de Inovação em Novas Energias (Cine), e em outros laboratórios do Brasil é artificial. A pesquisadora calcula que a perovskita fabricada em grande escala custaria menos de um terço do silício. “Para cristalizar a perovskita, precisa de temperatura de 100 °C”, diz. “No método Czochralski de produção de silício, a temperatura média é de 1.400 °C, com o cristal crescendo por sete dias: um gasto energético muito maior para uma fábrica.”
À medida que as peças de perovskita começarem a ser comercializadas, de acordo com Nogueira, a tendência é que o preço caia ainda mais. Mas o caminho até lá não é tão simples. Embora a substância tenha vantagens em relação ao silício, perde em um quesito essencial, a durabilidade.
“A perovskita é um material relativamente complicado do ponto de vista da composição”, diz o físico Carlos Frederico de Oliveira Graeff, professor da Faculdade de Ciências da Unesp, que trabalha com células solares de perovskita. “Tem chumbo, tem iodo, tem uma molécula orgânica e, além de tudo, na hora de fazer a célula, há outras camadas que aumentam o potencial de instabilidade.”
Segundo Graeff, que é parceiro da Oninn, instituto privado sem fins lucrativos sediado em Belo Horizonte e especializado no estudo da perovskita, o material tem obtido bons resultados em testes de degradação acelerada, mas ainda apresenta perda de eficiência em condições ambientais adversas, como calor, umidade e exposição prolongada ao sol.
As equipes de Nogueira e de Graeff buscam entender o desempenho da perovskita em ambientes externos. Alguns dos testes conduzidos pela equipe da pesquisadora da Unicamp envolvem camadas adicionais na célula solar de perovskita, bem como aditivos e mudanças no encapsulamento, para mitigar o problema.
Outra preocupação dos pesquisadores é em relação à sustentabilidade. Sem conseguir substituir o chumbo, presente no material, por outro elemento menos danoso ao ambiente, o foco é tornar o revestimento mais seguro. “O problema da perovskita é que o chumbo que está dentro dela é solúvel em água. Mas, ainda assim, a quantidade é muito pequena. Já temos boas estratégias de contenção para evitar possíveis vazamentos”, diz Nogueira. “E hoje já é possível reciclar 90% do chumbo.”
O físico Diego Bagnis, diretor científico da Oninn, acredita que a perovskita estará pronta para entrar no mercado brasileiro entre 2027 e 2029. Primeiro, diz, em nichos específicos, como em painéis solares integrados em edifícios urbanos. Em seguida, caso as células de pervoskita atinjam o patamar esperado, devem integrar uma gama maior de produtos. Uma das aplicações mais promissoras envolve máquinas e sistemas agrivoltaicos, que combinam a agricultura e a energia solar.
“O fato dos painéis serem fabricados com técnicas mais simples e baratas pode ser crucial para o Brasil, onde o custo de tecnologias importadas é uma barreira ao crescimento do setor fotovoltaico“, diz Bagnis. “A produção local de painéis de perovskita poderia democratizar o acesso à energia solar.”
Devido ao clima tropical, o Brasil sempre foi tido como um país perfeito para a implementação de tecnologias fotovoltaicas. Hoje, de acordo com levantamento da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), 19% da matriz elétrica do país provém de energia solar. O objetivo da Oninn é fazer com que a fatia cresça a partir do avanço das pesquisas com perovskita. Para Bagnis, há uma janela de oportunidade para o Brasil se posicionar como desenvolvedor da tecnologia ainda emergente. Além de diminuir a dependência nacional de tecnologias externas, isso fortaleceria a indústria brasileira e criaria novos mercados.
No momento, alguns países com tradição científica investem na pesquisa de perovskita, com destaque para a China, que já iniciou produção em larga escala do material. Nesses grupos internacionais de pesquisa, a perovskita também está sendo testada em painéis de LED, fotodetectores, lasers e em tecnologias espaciais. No entanto, segundo Rodrigo Sauaia, diretor-executivo da Absolar (Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica), ainda é cedo para dizer qual é o potencial da perovskita no mundo.
“No passado, defendiam que os módulos foltovotaicos dos filmes finos dominaria o mercado, e não foi o que aconteceu: a tecnologia de silício cristalino provou sua robustez e competitividade, mantendo a dianteira”, diz. “É preciso dar tempo ao tempo, e espaço à pesquisa e à inovação em desenvolvimento.”