O novo governo de Donald Trump, novamente eleito à Presidência dos Estados Unidos no pleito desta terça-feira (5), trará desafios para a transição energética e para exportação de biocombustíveis brasileiros, segundo especialistas reunidos no painel “Incentivos aos Biocombustíveis”, da terceira edição do Seminário Energia Limpa.
Promovido pela Folha, o evento ocorreu no último dia 6. Teve patrocínio da Apex, agência estatal de incentivo à competitividade das empresas brasileiras, e apoio das montadoras BYD e Toyota e da siderúrgica ArcelorMittal.
“As perspectivas se tornam mais desafiadoras, porque há uma clara intenção de um fechamento maior da economia americana”, disse Floriano Pesaro, diretor de gestão corporativa da Apex.
Pesaro apontou como empecilhos as barreiras tarifárias prometidas pelo presidente eleito. Trump disse na campanha que “tarifa” é a palavra mais bonita do dicionário” e prometeu aumentar as taxas em 10% a 20% sobre praticamente todas as importações dos EUA, incluindo as que vêm de países aliados.
O Brasil exportou US$ 252 milhões (R$ 1,4 bilhão) em etanol e US$ 70 milhões (R$ 403 milhões) em biodiesel para os Estados Unidos em 2023, segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio. Somando os dois produtos, o país foi o terceiro maior comprador do Brasil no ano passado, atrás de Coreia do Sul e Países Baixos.
Rosana Santos, diretora-executiva do think tank E+ Transição Energética, descreveu a mudança climática como “questão de vida ou morte” e apontou preocupação com a eleição de Trump, já que o líder se opõe a iniciativas de descarbonização da economia.
“Vai ser bem mais desafiante, porque a gente tinha começado a ver algumas partes dos Estados Unidos ajudando nessas negociações internacionais sobre biocombustíveis, e eu não sei como vai ficar isso agora”, afirmou. “É importante que o Brasil tenha aliados internacionais nessas negociações.”
Rota nacional
O Brasil tem enorme potencial para produção de biocombustíveis, como etanol e biometano, por isso os palestrantes enfatizaram a necessidade de o país buscar uma rota nacional de redução de emissões, sem tentar mimetizar iniciativas estrangeiras.
“No lugar do gás natural, a gente pode usar o biometano, não precisa em todos os casos chegar no hidrogênio [como faz a Europa]”, argumentou Rosana Santos, do E+ Transição Energética, apontando que a transição energética feita no Brasil, pelo menos no caso da siderurgia, pode ter características próprias.
O biometano é gerado a partir da purificação do biogás, produto da decomposição natural de lixo, esterco e subprodutos da agricultura. De características semelhantes ao GNV, pode ser utilizado como combustível para veículos.
A troca do gás natural pelo biometano pode reduzir em 80% a emissão de gases do efeito estufa, consideradas todas as etapas do processo produtivo, e por isso esse biocombustível entrou na mira de empresas que buscam descarbonizar seus processos.
Centros de logística usados para exportação de biocombustíveis podem ser integrados à indústria local, sugeriu ainda Rosana, citando o Porto do Pecém, no Ceará. “Aquele hidrogênio pode ser usado para descarbonizar indústrias de aço, cimento e tijolos no entorno do porto”, diz.
Segundo Alessandro Gardemann, fundador da Geo Biogás & Carbon, a Lei do Combustível do Futuro, sancionada em outubro pelo presidente Lula (PT), ajuda na descarbonização ao induzir a demanda por biocombustíveis no Brasil.
A lei estabelece que a mistura de etanol à gasolina passará a ser de 22% a 27%, podendo chegar a 35%, e prevê aumentos anuais na porcentagem de biodiesel misturado ao diesel.
“A lei foi clara ao criar uma âncora de demanda futura, [dando] segurança e previsibilidade para os investidores”, afirmou o executivo. “Tem tudo para acontecer. Mas a gente [setor privado] tem que garantir qualidade e disponibilidade.”
Em 2021, o Brasil tinha 755 plantas de biogás em operação, aumento de 16% com relação ao ano anterior. No mesmo período, a produção cresceu 10%, segundo levantamento do Centro Internacional de Energias Renováveis – Biogás.
Ainda assim, a Associação Brasileira de Biogás e Biometano estima que o potencial de produção de biogás no território nacional é quase 40 vezes maior que a produção atual –84 bilhões de metros cúbicos por ano, contra 2,3 bilhões.
O executivo da Geo Biogás & Carbon acrescentou que os produtos da transição energética terão de chegar a preço competitivo ao consumidor. “A sociedade não está disposta a pagar pela inflação verde”, diz. “Esse negócio de custar cinco, sete vezes mais, não vai acontecer”.