Matemática e ciências da natureza são as áreas em que os homens têm maior vantagem de desempenho em relação às mulheres no Enem. Dados das últimas dez edições do exame, mostram que eles se saem melhor nas quatro áreas avaliadas, enquanto elas têm maior resultado na redação.
Neste domingo (10), será realizado o segundo dia de provas do Enem 2024 e serão avaliadas exatamente essas duas áreas em que os homens têm maior desempenho. Serão 45 questões de matemática e 45 de ciências da natureza
Para educadores, a diferença é resultado dos estereótipos de gênero que são reproduzidos pela família e pela escola desde o início da infância. Essas expectativas acabam se perpetuando ao longo da trajetória escolar e refletem não apenas no desempenho, mas também na escolha da profissão.
Um levantamento do Todos pela Educação, feito a pedido da Folha, mostra que a média dos candidatos do sexo masculino em matemática foi de 555,8 pontos na última edição —42,5 pontos a mais do que a média dos participantes do sexo feminino, que foi de 513,3.
Das quatro áreas avaliadas, a diferença de média por gênero em matemática é a maior verificada nas últimas dez edições da prova. Apenas em 2015, as mulheres conseguiram diminuir a desvantagem, quando tiveram 30,2 pontos a menos na média.
Em ciências da natureza, que abarcam as disciplinas de biologia, química e física, verifica-se a segunda maior diferença de desempenho por gênero no Enem. No exame do ano passado, os homens tiveram uma média de 501,3 —20,3 pontos a mais do que a média das mulheres.
Nas últimas dez edições do Enem, os homens também alcançaram desempenho maior nas provas de linguagens e ciências humanas, porém a diferença é bem menor em relação às mulheres. No ano passado, por exemplo, a média deles foi de 0,8 ponto a mais do que a delas. Em ciências humanas, eles tiveram 6,2 pontos a mais.
“Essa diferença de desempenho é resultado de uma tendência, ainda que irracional, que temos de incentivar meninos e meninas para determinadas habilidades. Socialmente é construído que as mulheres têm maior capacidade de comunicação e cuidado, enquanto os homens seriam mais capazes de pensar de forma racional, lógica”, diz Anna Penido, diretora do Centro Lemann de Liderança para Equidade na Educação.
Para ela, esses estereótipos de gênero acabam moldando e incentivando de forma diferente as crianças. “A autoestima das meninas é afetada por essas expectativas e elas se sentem menos confiantes de que podem aprender e ir bem em áreas consideradas mais masculinas, como matemática, física e química.”
A falta de incentivo não apenas prejudica o desempenho escolar das mulheres, como também as desencoraja a buscar profissões nessas áreas. Dados do Censo do Ensino Superior mostram que em engenharia, por exemplo, apenas cerca de 20% dos estudantes são do sexo feminino.
No ano passado, o Centro Lemann fez uma pesquisa com diretores de escola e identificou que parte deles tem crenças enviesadas ou estereotipadas sobre gênero. A pesquisa perguntou quais características se aplicam mais a meninas, meninos ou ambos.
Os resultados mostram que gentileza e a fragilidade emocional, por exemplo, são características destacadamente mais associadas às meninas. Também mostram ser mais comum associar meninos a força física em vez de sensibilidade.
A pesquisa também identificou que os diretores consideram que existem profissões mais adequadas para cada sexo. Para 20,6%, a profissão de professor é considerada mais adequada para mulheres (contra 2,6% que responderam para os homens).
Já para 28,9% e 16,6% as profissões de piloto de avião e engenheiro são, respectivamente, mais adequadas para os homens (contra 3,6% e 7,2% que responderam para as mulheres).
Monique Covi, professora de matemática do cursinho da Poli, avalia que a forma como as crianças são incentivadas na infância influencia o desempenho e as aptidões desenvolvidas durante a trajetória escolar. No entanto, ela diz acreditar que aos poucos começa a ver uma mudança entre os alunos.
“Acredito que as famílias e as escolas estão mais atentas a essa diferença de estímulo e já vemos algum resultado. Já vejo no cursinho uma maior procura das mulheres que querem fazer engenharia, química, física.”
Ainda que, na média, as mulheres não tenham conseguido reduzir a desvantagem em matemática na última década, a proporção de candidatas que conseguem atingir a maior faixa de proficiência nessa área aumentou. Em 2013, os homens atingiram a faixa de 900 a 1.000 pontos, 4,5 vezes mais do que elas —na última edição, eles conseguiram 2,9 vezes a mais do que elas.
Para Anna, a superação das desigualdades depende de políticas educacionais pensadas para a equidade. Ela, no entanto, não vê no Brasil nenhuma ação desenvolvida especificamente para mitigar as diferenças de gênero.
“Existem projetos pontuais para reduzir essas desigualdades ou para incentivar as meninas a irem para áreas relacionadas à matemática, mas a gente precisa de uma política de formação para os professores e diretores para que o incentivo para que o estímulo aconteça desde cedo para todas as crianças, independentemente do gênero.”
Ela avalia ainda que a formatação de políticas para a equidade esbarra ou é inibida por grupos que impedem o debate sobre gênero na educação.
“A palavra gênero foi apropriada por grupos que combatem uma suposta ideologia de gênero. Um reflexo é que a palavra acabou até mesmo desaparecendo dos documentos que orientam políticas públicas educacionais. O resultado disso é não se fazer o debate necessário para diminuir as desigualdades que prejudicam as mulheres”, diz.