Proprietário de um carro elétrico há quatro anos, o motorista de aplicativo Rida Gieballa, 54, reclama das filas nos postos de recarga em Londres. “É estressante não saber se vou conseguir carregar”, diz, acrescentando que pagou caro demais pelo veículo para ter “essa grande dor de cabeça”.
Ele conversou com a Folha no trajeto entre o distrito financeiro no centro da cidade e o bairro Queen´s Yard, uma vizinhança pós-industrial da capital britânica onde a Uber realizava evento para divulgar ações de sustentabilidade.
A empresa quer zerar emissões globais de carbono até 2040 e, para isso, depende da adesão de mais motoristas aos carros elétricos, mas até mesmo na cidade em que há forte estímulo ao transporte não poluente, a falta de infraestrutura é uma barreira para a transição.
Nada comparado ao abismo a ser superado no Brasil, onde a operação elétrica da empresa, a Uber Green, teve início em agosto deste ano e, justamente devido à falta de estrutura, está restrita à região central da cidade de São Paulo.
Londres é líder global quanto ao tamanho da sua rede de pontos públicos de carregamento de veículos elétricos. Com aproximadamente 1.580 km², uma área semelhante à da cidade de São Paulo, a capital britânica tinha no início de 2020 cerca de 5.000 postos, 1 para cada 6 carros, sendo 300 aptos a realizar cargas rápidas –cerca de 30 minutos–, segundo a prefeitura local.
Em São Paulo, faltam até mesmo informações precisas sobre a quantidade de carregadores na capital. No estado, cuja área é 160 vezes maior do que a das referidas cidades, a rede é de 3.551 postos, segundo a ABVE (Associação Brasileira do Veículo Elétrico).
Além dos problemas de infraestrutura, o alto valor dos carros elétricos desafia a transição das frotas das empresas de aplicativos de transporte urbano, segundo executivos da Uber.
Superar tais barreiras depende de uma combinação de evolução do mercado com o desenvolvimento de políticas públicas, algumas impopulares.
É o pedágio urbano cobrado de carros movidos a derivados do petróleo na zona de congestionamento de Londres, uma espécie de centro expandido, que tem empurrado mais motoristas londrinos para os elétricos.
Isentos da cobrança diária de até 15 libras (R$ 110), os carros elétricos já representam um terço da frota da Uber em Londres.
Até quem se sente prejudicado, como Gieballa, afirma que pretende continuar com o carro elétrico para evitar o pagamento da taxa. Além disso, ele relata que estaria satisfeito se o apartamento onde mora tivesse uma garagem onde ele pudesse fazer a recarga doméstica durante a noite.
Replicar o modelo baseado do pedágio urbano em outras grandes cidades não é simples. Isso dependeria de uma oferta de transporte público igualmente robusta à de Londres, diz Christopher Hook, chefe global de sustentabilidade da Uber.
A companhia também sabe que não poderá apoiar sua estratégia nesse tipo de política por muito tempo, pois até mesmo Londres discute encerrar a isenção aos elétricos a partir do próximo ano.
Mas o crescimento do interesse do setor privado em ampliar a rede de carregadores rápidos ainda faz da capital britânica o melhor laboratório para uma frota movida a energia limpa, diz Hook.
“Quando comecei a dirigir meu veículo elétrico há três anos, a oferta de carregadores rápidos não era perfeita, mas o setor privado vem investindo muito nisso e hoje você pode ficar confiante de que no caminho de casa conseguirá abastecer”, diz ele.
Para depender menos da vontade política, a companhia avalia trazer para o Brasil iniciativas direcionadas ao setor privado.
Familiarizado com o mercado brasileiro, o diretor de produtos da Uber, Sundeep Jain, diz estar entusiasmado com essa possibilidade após ter passado uma semana em São Paulo neste ano.
Ele avalia que o modelo de parcerias com fabricantes e importadores de veículos adotado em outras partes do mundo ajudará a superar a barreira do preço.
“Nós também estamos educando motoristas sobre os benefícios, como redução de custos com manutenção, que permite economizar muito a longo prazo, enquanto imaginamos que em três ou quatro anos os preços também vão cair”, diz Jain. “Então, é uma combinação de educação e parcerias para redução dos preços.”
Projeto-piloto realizado na Costa Rica exemplifica como as parcerias podem acelerar a transição, segundo Silva Rojas, presidente da Alamos (Associação Latino-americana de Mobilidade Sustentável).
A frota de carros de aplicativo elétricos subiu de 100 para 600 carros no país desde 2023, após a Uber ter firmado acordo que garante o pagamento parcelado dos veículos ao principal importador local.
Assim como no Brasil, motoristas de aplicativo na Costa Rica são informais e isso dificulta o acesso ao crédito bancário. Para garantir o pagamento, a Uber desconta a parcela direto do rendimento do motorista, conta Rojas. “Adotou-se um modelo triangular, entre Uber, motorista e importador”, explica.
É uma estratégia arriscada para ser adotada no Brasil frente à ainda divergente discussão na Justiça Trabalhista sobre eventual vínculo empregatício entre empresas de aplicativos e motoristas, segundo o advogado Rômulo Saraiva.
Isso, porém, não inviabilizaria a adoção de um modelo jurídico em que o trabalhador autorize o desconto, como os já existentes sistemas de cooperativas profissionais para obtenção de crédito, diz o advogado.
Na capital britânica, motoristas de aplicativo têm situação regulamentada. Além de serem credenciados pelo município, eles estão enquadrados em uma categoria da legislação britânica chamada trabalhadores, que garante direitos como salário mínimo e férias. Ainda assim, não estão no grupo de funcionários vinculados a uma empresa.
Como o trabalho regulado facilita o acesso ao crédito, a estratégia de parcerias na Uber é usar o enorme potencial de consumo de seus associados para conseguir outros tipos de benefícios para motoristas licenciados, como desconto de até 18 mil libras na troca do veículo.
Em todo o mundo, mais de 143 mil motoristas da Uber fizeram a transição para elétricos, muitos estimulados pela chance de gastar menos, como Temidayo Omololu, 62, que desde 2019 dirige seu carro movido a eletricidade por Londres.
Omololu se diz especialmente satisfeito com o preço das recargas, que geram economia de até 700 libras por mês (R$ 5.146). “Tenho esse carro há quase cinco anos, não voltaria para o petróleo.”
O jornalista viajou a convite da Uber
Os dez carros elétricos mais baratos do país
- Renault Kwid Intense: R$ 101.156
- BYD Dolphin Mini: R$ 117.666
- Caoa Chery iCar: R$ 119.990
- JAC e-JS1: R$ 134.566
- GWM Ora 03 Skin: R$ 140.071
- BYD Dolphin EV: R$ 159.946
- BYD Yuan Pro: R$ 182.800
- BYD Dolphin Plus: R$ 184.728
- Renault Megane E-Tech: R$ 249.500
- Fiat 500e Icon: R$ 214.990
Fonte: Tabela Fipe (Novembro 2024)