Sem a presença dos principais líderes globais, assombrada pelos prováveis retrocessos ambientais da eleição de Donald Trump e sediada em um país com acusações crescentes de violação de direitos humanos, a COP29, a 29ª conferência do clima da ONU, acontece em Baku, no Azerbaijão, desta segunda (11) até 22 de novembro.
Neste cenário desafiador, a cúpula, que reúne 196 países e territórios —praticamente o mundo inteiro— tem uma agenda extensa de negociações. O ponto central, contudo, é claro: o quanto de dinheiro haverá para o combate às mudanças climáticas e, principalmente, quem irá pagar essa conta.
A comunidade internacional precisa chegar a um acordo sobre a nova meta de financiamento climático, mais conhecida pela sigla em inglês NCQG (novo objetivo coletivo quantificado), que irá substituir o compromisso atual de US$ 100 bilhões anuais, que expira no fim deste ano.
Para fazer face à dimensão da crise do clima, especialistas são unânimes em afirmar que é preciso aumentar significativamente o volume de recursos alocados. Apenas para a implementação dos planos climáticos existentes, calcula-se que seriam necessários no mínimo US$ 5 trilhões até 2030.
As cifras, no entanto, devem ser muitíssimo mais modestas, uma vez que até a disponibilização dos US$ 100 bilhões anuais do último consenso suscita dúvidas. Muitos especialistas e diversos países, incluindo o Brasil, consideram que as nações desenvolvidas jamais chegaram a desembolsar a totalidade desse valor. Nas contas da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), isso foi atingido nos últimos dois anos.
No entanto, mais de 60% do montante veio na forma de empréstimos, não de doações, o que contribui para engordar o peso da dívida dos países mais pobres. Para completar, analistas apontam ainda que muitos recursos de outras áreas acabaram carimbados como financiamento climático.
Karen Silverwood-Cope, diretora de clima do WRI (World Resources Institute) Brasil, considera que o tema precisa ser olhado além dos números.
“Não é só definir a meta, que é aquilo de que todos estão falando. Na verdade, debater a definição do que é financiamento climático é tão importante quanto”, avaliou, ressaltando a relevância do tema para as nações em desenvolvimento viabilizarem planos de descarbonização e adaptação.
Estabelecer a origem dos recursos também será um desafio. Os países ricos vêm pressionando para expandir a base de doadores, incluindo na lista a China e outros emergentes.
As negociações, que já eram complexas, ganharam contornos ainda mais difíceis após a eleição de Donald Trump. Ainda que o time de negociadores em Baku seja o do governo de Joe Biden, o bastão diplomático será passado para a delegação escolhida pelo republicano já no começo do ano que vem, o que suscita dúvidas sobre a validade do que será definido no Azerbaijão.
Além de ter prometido voltar a retirar os EUA do Acordo de Paris —compromisso para redução de emissões assinado pela comunidade internacional em 2015–, Trump também pretende acabar com os financiamentos climáticos internacionais.
“O impacto disso em Baku vai ser enorme, porque, por melhor que seja o resultado, já está excluído, desde o começo, um NCQG ambicioso, porque não tem fisicamente de onde tirar dinheiro para uma meta climática ambiciosa sem os Estados Unidos“, diz Claudio Angelo, diretor de política internacional do Observatório do Clima.
“A menos que aconteça um milagre do multilateralismo e os países em desenvolvimento –China, África do Sul, Brasil etc.– topem entrar na base de financiadores.”
Ele pondera, no entanto, que perspectiva de uma guinada radical na política climática americana pode fazer com que os atuais negociadores adotem uma postura menos obstrutiva nas discussões.
Em meio à onda de pessimismo, várias lideranças da área ambiental vêm enfatizando que as negociações climáticas são hoje mais robustas do que eram no período em que Trump chegou ao poder.
Destacando tendência apontada por analistas americanos, que apontam que haverá resistências ao retrocesso ambiental em várias frentes, incluindo medidas subnacionais e empresariais, Karen Silverwood-Cope considera que hoje há uma “margem de segurança” contra eventuais efeitos de bloqueio negocial dos EUA.
A reconfiguração da geopolítica ambiental também desloca o eixo de liderança, com ainda mais peso para a União Europeia e a China, mas também o Brasil, que sediará a COP30 em Belém em 2025.
As expectativas sobre a presidência brasileira, que já eram grandes, ganharam contornos ainda maiores. “Os olhos do mundo estão no Brasil”, diz Angelo.
A conferência em terras brasileiras arrisca ainda herdar as pendências não resolvidas na cúpula atual, acumulando ainda mais pontos para já extensa agenda de trabalho prevista.
Ainda assim, o presidente Lula (PT) foi um dos vários líderes mundiais que desistiram de viajar a Baku, sendo substituído pelo vice, Geraldo Alckmin (PSB).
A pauta a ser analisada em Baku vai, contudo, bem além do financiamento. A presidência azeri também tem como prioridade as negociações para a regulamentação dos mercados globais de carbono —outro ponto complexo e com muito dinheiro envolvido. Especialistas pedem que haja especial atenção quanto à regulação e transparência dos créditos de carbono.
Espera-se ainda que as partes aprofundem a questão, acordada na última conferência, em Dubai, para a transição dos combustíveis fósseis nos sistemas energéticos, que seguem em alta.
Embora as discussões devam continuar, ambientalistas mostram-se pouco otimistas com o empenho da liderança do Azerbaijão –que tem cerca de 50% da economia e 90% das exportações ligadas aos combustíveis fósseis— neste tema.
Uma reportagem da BBC publicada nesta sexta (8) revelou gravação de vídeo em que o diretor executivo da COP29, Elnur Soltanov, discutia “oportunidades de investimento” na petroleira estatal com um homem que se passa por um potencial investidor. “Temos muitos campos de gás que devem ser explorados”, diz ele no material, registrado pela ONG Global Witness.
A tensão com o país-sede também se estende à questão dos direitos humanos, com aumento da repressão a jornalistas, ativistas e membros da oposição.
Às dificuldades negociais, soma-se ainda a sucessão de alertas produzidos pelos cientistas. Divulgados logo antes da conferência, dados da Organização Meteorológica Mundial e do observatório Copernicus indicam que já é praticamente certo que 2024 será o ano mais quente da história da humanidade, superando as já escaldantes cifras de 2023.