Análises do DNA de pessoas “congeladas no tempo” pela destruição da cidade romana de Pompeia, no ano 79 d.C., estão desfazendo uma série de mitos sobre a relação entre vítimas da catástrofe, causada pela erupção do vulcão Vesúvio.
O rápido dilúvio de material vulcânico na cidade preservou o corpo de vários habitantes em “moldes” semelhantes ao formato que eles tinham quando vivos. A descoberta de uma criança “no colo” de um adulto, por exemplo, fez com se imaginasse que eram mãe e filho ou filha, enquanto corpos que pareciam de mulheres foram interpretados como duas irmãs.
Os dados genômicos, porém, revelam um retrato bem mais complicado da tragédia, além de trazer pistas sobre a diversidade étnica do mundo romano. É o que mostra o estudo que saiu na última quinta (7) na revista especializada Current Biology, assinado por pesquisadores na Itália, nos Estados Unidos e na Alemanha.
A equipe, liderada por David Caramelli, da Universidade de Florença, David Reich, da Universidade Harvard, e Alissa Mittnik, do Instituto Max Planck de Antropologia Evolucionista, trabalhou com os restos mortais de 14 indivíduos, que já tinham sido estudados por meio de tomografia computadorizada. Essas análises anteriores tinham revelado que a aparente conservação exata dos contornos corporais dos mortos de Pompeia não era tão precisa assim.
Quando a cidade começou a ser redescoberta depois de ter ficado esquecida por mais de um milênio e meio, os restos mortais que iam sendo encontrados estavam, muitas vezes, preservados pela deposição de pequenas pedras e cinza vulcânica em cima do corpo, como se fossem bonecos de argila.
No século 19, o arqueólogo Giuseppe Fiorelli criou uma técnica na qual gesso líquido era introduzido dentro desses “bonecos”. A ideia era que o gesso tomaria o lugar dos tecidos moles (já decompostos) do corpo das vítimas, preservando o formato original dos defuntos.
O problema é que a tomografia revelou que, nesse processo, vários ossos dos mortos acabaram sendo removidos. E houve até casos de introdução de barras de metal para “melhorar” o formato do corpo. Não há mais esqueletos completos dentro do gesso moldado, o que complica muito o estudo das vítimas com base apenas nos ossos.
A equipe internacional, apesar de tudo isso, conseguiu obter ao menos parte do DNA de cinco dos indivíduos preservados. Não há dúvida de que o material genético é mesmo deles, porque apresenta um padrão de fragmentação e alterações químicas que só está presente quando o DNA se degrada durante muitos anos após a morte de um organismo.
Todos os cinco indivíduos cujo DNA foi “lido” são do sexo masculino. Três deles vêm da chamada Casa do Bracelete Dourado, dois da Casa do Criptopórtico e um deles da chamada Quinta dos Mistérios (nesse caso, da antiga zona rural próxima a Pompeia, e não da cidade propriamente dita).
É da Casa do Bracelete Dourado que vêm os supostos corpos da mãe com o filho no colo. O indivíduo com a criança usava a joia que empresta seu nome à residência, o que parecia reforçar sua identificação como pertencente ao sexo feminino. Achava-se também que o outro adulto do grupo seria o pai.
A criança, que talvez tivesse uns cinco anos de idade, era um menino, indicou o DNA, assim como a pessoa em cujo colo ela estava. Além disso, o genoma não sugere um parentesco próximo entre nenhuma das pessoas que morreram na casa –ninguém ali chegava a ser nem primo de primeiro grau um do outro.
Já na Casa do Criptopórtico (assim chamada por causa de um corredor subterrâneo que levava a uma espécie de sauna romana), a dupla de vítimas, uma com a cabeça na barriga da outra, costumava ser considerada como duas irmãs, mãe e filha adulta ou um casal. Foi possível demonstrar, porém, que ao menos um dos indivíduos era do sexo masculino. Na Quinta dos Mistérios, que era adornada com pinturas dos rituais sacros (chamados de “mistérios” na Antiguidade) em honra ao deus Baco, o morto também era um homem.
A análise dos genomas mostrou ainda que todos os indivíduos eram, em grande parte, descendentes de pessoas vindas do Mediterrâneo Oriental, a leste da Itália, com destaque para contribuições genéticas da atual Turquia, do Levante (Israel, Palestina, Líbano e Síria de hoje) e, em menor grau, da Grécia e do norte da África.
Nos casos em que foi possível obter dados sobre genes associados à aparência física, os pesquisadores identificaram uma alta probabilidade da presença de olhos e cabelos escuros e, em pelo menos um dos casos, pele relativamente escura também.
“O estudo reforça a natureza diversificada e cosmopolita da população de Pompeia, refletindo padrões mais amplos de mobilidade e trocas culturais dentro do Império Romano”, resumiu Mittnik.
A cidade, localizada no litoral do sul da Itália, recebia tanto comerciantes quanto romanos ricos que ali construíam casas luxuosas de veraneio. Por isso, faz sentido que ela abrigasse tanto endinheirados dos vários cantos do império quanto uma população de escravos e trabalhadores das mais diversas origens.