O movimento recente de Otoni de Paula, ao criticar a instrumentalização das igrejas pelo bolsonarismo, pode ter raízes no ressentimento pessoal do deputado, mas reflete um descontentamento real entre lideranças evangélicas. Muitos pastores veem sua representatividade no Legislativo diminuir e não encontram apoio do ex-presidente para seus projetos políticos.
Otoni de Paula, que nutria expectativas políticas a partir do apoio de Jair Bolsonaro, não recebeu o respaldo esperado do ex-aliado. A decepção o levou a desistir da candidatura à prefeitura do Rio de Janeiro, culminando em uma aproximação com Eduardo Paes, elogios a Lula e às políticas sociais petistas, além de críticas públicas ao uso político das igrejas pelo bolsonarismo. Sua reação expõe um mal-estar mais amplo entre os evangélicos, que, mesmo após apoiarem Bolsonaro, sentem-se agora desamparados.
Embora Bolsonaro ainda seja uma figura central para a direita radical brasileira, sua liderança dentro do próprio movimento enfrenta fragilidades. Em cidades como Curitiba e São Paulo, ele não deu apoio claro a candidaturas específicas, falhando em unir as diferentes alas de sua base. A parceria com Michelle Bolsonaro, que garantiu 70% do apoio evangélico em 2022, não se repetiu neste ano. Atuando separadamente, Michelle adotou uma postura discreta e tímida.
O descontentamento dos evangélicos reflete a dificuldade —e a falta de empenho— de Bolsonaro para liderar sua base e conciliar os interesses que surgem dentro dela. O bolsonarismo se sustenta socialmente em setores diversos, que podem eventualmente entrar em disputas entre si.
Na disputa pela representação do conjunto da base bolsonarista e pelo apoio do ex-presidente, os evangélicos estão levando a pior. Em vez de priorizar líderes religiosos, o ex-presidente tem favorecido candidatos ligados à polícia, ao menos em estados-chave, como Rio de Janeiro e São Paulo. Como consequência, muitas lideranças evangélicas agora se sentem escanteadas.
Outro fator concreto é a perda de representação política. Em 2022, a bancada evangélica no Congresso caiu de 92 para 85 parlamentares, segundo o Diap. O mesmo padrão se repetiu nas eleições municipais deste ano, com derrotas de candidatos apoiados por figuras influentes como Silas Malafaia, R. R. Soares e Valdemiro Santiago.
Um levantamento do Cebrap mostra que até o número de candidatos com títulos religiosos, como “pastor” ou “irmão”, diminuiu. Contribuem para esse declínio o cansaço dos fiéis com a militância radical e o surgimento de candidatos não evangélicos que defendem a agenda moral sem intermediação das igrejas.
Esses fatores fortalecem a percepção de que a aliança incondicional com o bolsonarismo não tem rendido os frutos esperados para o segmento evangélico. Pastores têm exigido mais espaço e envolvimento dentro do movimento, um apoio que ainda não se materializou.
As críticas de Otoni de Paula, por mais oportunistas que possam parecer, ecoam entre outras lideranças que esperavam mais comprometimento de Bolsonaro. Por enquanto, essa expectativa segue frustrada.