No Brasil, cerca de 13 milhões de pessoas praticam corrida de rua, segundo a TicketSports, plataforma de venda de inscrições para eventos esportivos. Na Corrida de São Silvestre, em 31 de dezembro, espera-se que 37 mil corredores ocupem as ruas da maior cidade da América Latina. Muitos, entre os quais me incluo, veem o esporte como parte da espiritualidade cristã.
Nas Olimpíadas de Paris, a fé dos atletas brasileiros ganhou destaque. Campeões como a ginasta Rebeca Andrade e o surfista Gabriel Medina deram testemunho público sobre a importância da espiritualidade em suas carreiras. A conexão entre fé e atividade física, contudo, não se limita aos atletas que competem por resultados. Entre os corredores cristãos, a prática da corrida também é vista como uma expressão de fé.
O apóstolo Paulo, em sua carta a Timóteo, afirmou que “o exercício físico para pouco é proveitoso, mas a piedade para tudo é proveitosa,” indicando uma separação entre a atividade física e a espiritualidade, e entendia que uma era superior à outra. Contudo, muitos corredores amadores hoje argumentam que a corrida pode ser tanto exercício físico quanto espiritual.
O pastor batista André Saldiba é um desses exemplos. Casado e pai de três filhos, ele começou a correr para manter a forma, mas rapidamente percebeu a dimensão espiritual dessa atividade. Durante suas corridas, ele encontra momentos de silêncio e solidão que favorecem sua conversa com Deus. Em sua primeira maratona, adotou a prática de, a cada dez quilômetros, orar por um familiar. Correr sem fones de ouvido, segundo ele, facilita o autoconhecimento e as orações.
A corrida e a espiritualidade compartilham características: ambas exigem disciplina, sacrifício e momentos de solitude, além de proporcionar comunhão e celebração. Acordar cedo para treinar e escolher uma alimentação saudável são esforços que muitos fazem em troca do bem-estar proporcionado pela liberação de neurotransmissores como adrenalina, dopamina e endorfina, gerando uma experiência de transcendência.
Há outros paralelos entre essas práticas. O corredor treina sozinho, mas participa de provas coletivas. A espiritualidade também pede treinamento, exercício, repetição, e há momentos, como nos cultos, em que estar junto com outras pessoas é um estímulo para continuar se aprimorando.
Além da afinidade entre exercício e prática cristã, a corrida pode ser parte da própria espiritualidade. Alexandre Sato, corredor amador e líder voluntário do ministério de corrida da Igreja Presbiteriana de Moema, em São Paulo, acredita que o exercício físico, incluindo a corrida, é uma forma de cuidar do corpo, visto como dom de Deus e templo do Espírito Santo. Todas as segundas-feiras, às 19h30, o grupo da Igreja se reúne no parque do Ibirapuera para cuidar do corpo e da espiritualidade.
Recentemente, uma reportagem da Folha intitulada “Maior interesse por corridas de rua impulsiona assessorias esportivas” destacou o aumento desse tipo de serviço nos parques da cidade. Assim como essas empresas, grupos organizados por igrejas têm se tornado comuns. Neles, evangélicos se reúnem para correr, fortalecer laços de amizade, orar e entoar cânticos, também com o propósito de evangelizar outros corredores.
A expansão das igrejas evangélicas pode ser explicada em parte pela flexibilidade organizacional para atender a diversas necessidades dos membros. A formação de grupos de corrida é uma dessas iniciativas, que se somam a ministérios de atendimento psicológico gratuito, palestras sobre educação infantil e trabalhos sociais voltados para a população em situação de vulnerabilidade.