A família de Gregory Ribeiro Vasconcelos, 17, fez seu enterro sem velório, sem o cortejo que havia planejado pelo bairro onde ele morou e sem vê-lo dentro do caixão. Ele foi morto por policiais militares enquanto andava de moto com outro adolescente de 15 anos no Morro São Bento, em Santos, na noite de terça-feira (5). Na ação, Ryan da Silva Andrade Santos, 4, também foi baleado e morreu.
O velório foi cancelado devido às condições precárias de conservação do corpo. Familiares e amigos disseram que ele ficou fora do refrigerador durante mais de 24 horas. Além disso, contam que um dos tiros o atingiu no rosto, o que já impediria uma cerimônia com o caixão aberto.
O cheiro do cadáver e a demora na liberação do corpo fizeram com que o velório, que já havia sido contratado, fosse cancelado.
A Polícia Militar afirma que Gregory e o outro adolescente que estava na moto atiraram contra agentes da Rocam (Rondas Ostensivas com Apoio de Motocicletas), que teriam revidado o ataque. Eles estariam num grupo de até dez pessoas que hostilizaram os policiais, segundo as informações oficiais.
Família e moradores negam essa versão. Dizem que os dois adolescentes foram abordados por estarem andando em alta velocidade sem capacete numa área de favela, que foram baleados pelas costas e que, mesmo com os dois caídos no chão, houve disparos em direção à uma parte da rua onde crianças estavam brincando —atingindo em cheio o menino Ryan e ferindo de raspão o braço de uma mulher.
Porta-voz da PM, o coronel Emerson Massera falou em troca de tiros com, possivelmente, mais de cem disparos. Nenhum policial ficou ferido. Em dois boletins de ocorrência sobre o caso, não há menção a viaturas ou motos da PM atingidos por disparos dos suspeitos.
Uma familiar do adolescente, que conta ter ido ao local da ocorrência, disse que um policial mostrou a ela uma foto do adolescente reproduzida de uma rede social. Isso teria ocorrido minutos após ele ser ferido pelos policiais.
A reportagem ouviu de três pessoas, entre amigos e familiares de Gregory, que houve uma recomendação de policiais à família para que não fizesse um cortejo como o que ocorreu em homenagem a Ryan, morto na mesma ocorrência.
Durante a manhã desta quinta (7), uma equipe do Batalhão de Choque bloqueou a passagem da carreata de Ryan por alguns minutos. Houve troca de ofensas entre motociclistas que participavam do ato e policiais, antes que o caminho fosse liberado.
Moradores reclamaram da presença policial junto ao cortejo do menino, o que entenderam como uma intimidação. Após o enterro, houve um desentendimento entre o ouvidor das polícias, representantes de entidades de proteção aos direitos humanos e uma equipe da Força Tática da PM.
A família de Gregory, por sua vez, sugere que o atraso na liberação do corpo tenha sido proposital, para que a família não pudesse fazer o velório.
O carro fúnebre chegou ao cemitério da Areia Branca com atraso e sem a coroa de flores que havia sido encomendada. Revoltados, parentes e amigos ficaram em pé em volta do carro, recusando-se a deixar o caixão entrar no cemitério sem a coroa de flores —que chegou cerca de 15 minutos depois.
“Ele já está todo cortado lá dentro. Precisava fazer isso com ele, trazer desse jeito? Por que todos vêm com flores e o meu não?”, disse a mãe, Lucineia. “Meu menino não era marginal.”
Amigos de Gregory soltaram dezenas de rojões e bombas, tanto do lado de fora do cemitério quanto lá dentro, enquanto transportavam o caixão.
Alguns cantavam. Quase todos vestiam camisetas em homenagem ao garoto, algumas delas com referências a seu apelido: Surfista.
O pai fez um discurso e um sermão, direcionado principalmente aos adolescentes, antes que o caixão fosse colocado numa gaveta fúnebre e fechado com tijolos e cimento.
“Honre seu pai e sua mãe sempre”, ele disse. “A polícia matou um menino inocente”, declarou.