O retorno de Donald Trump à Casa Branca —com poderes turbinados pela maioria dos republicanos no Senado e, possivelmente, na Câmara— deve representar um pesado retrocesso para a já combalida agenda climática global.
Além dos efeitos negativos para as negociações de redução das emissões dos gases de efeito estufa, a expectativa de uma postura refratária nos Estados Unidos significa um duro golpe para as iniciativas internacionais de financiamento climático.
Em seu primeiro mandato, em junho de 2017, o republicano retirou os EUA do Acordo de Paris, compromisso firmado em 2015 pela comunidade internacional para limitar o aquecimento global. O país foi reintegrado ao instrumento em 2021, após a posse de Joe Biden.
Ainda durante a campanha, Trump prometeu voltar a remover seu país do acordo. Grupos conservadores, no entanto, já vêm encorajando a futura administração republicana a ir ainda mais longe, abandonando completamente a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, na sigla em inglês).
Com um longo histórico de afirmações falsas ou equivocadas sobre as alterações climáticas, que já foram classificadas por ele de farsa, Trump também defende abertamente o avanço irrestrito dos combustíveis fósseis. Em seu primeiro mandato, o republicano desmantelou uma série de medidas de proteção ao ambiente, incluindo a revogação de mais de uma centena de regras ambientais.
“Para a agenda climática, eu acho que esse é o pior golpe que o regime multilateral de clima sofreu em muito tempo, desde a eleição anterior do próprio Trump”, resume Claudio Angelo, coordenador de política internacional do Observatório do Clima.
Segundo ele, desta vez, o republicano “chega mais ‘mandatado’, ganhando no voto popular, e com mais poder, jurando vingança”.
“Ele vai sair do Acordo de Paris e possivelmente vai sair da Convenção do Clima também. Uma coisa que as pessoas precisam entender de vez sobre a extrema direita é que ela cumpre o que promete”, afirmou.
Na avaliação de Angelo, o posicionamento dos EUA poderia encorajar outras nações com lideranças da ultradireita a também abandonarem o acordo. Seria o caso, por exemplo, da Turquia e da Argentina, que são grandes emissoras.
A eleição de Trump acontece a menos de uma semana do início da COP29, a convenção do clima da ONU, que vai de 11 a 22 de novembro em Baku, no Azerbaijão. Para especialistas, ainda que as negociações sejam conduzidas pelos diplomatas do governo Biden, ainda no poder, os resultados do encontro serão inevitavelmente afetados pela reconfiguração política em Washington.
Um dos resultados esperados é o corte nos recursos para o combate e a adaptação às mudanças climáticas, já depauperados. O financiamento será justamente um dos pontos centrais da conferência. Maior economia do mundo, os EUA são também os maiores emissores históricos de gases-estufa, o que os deixa com a responsabilidade pela maior fatia das contribuições financeiras.
Trump, contudo, já anunciou que também pretende interromper o financiamento climático internacional.
Apesar do cenário complicado para as negociações, muitos especialistas consideram que as iniciativas de descarbonização e de transição energética nos EUA não serão interrompidas, uma vez que têm trazido um volume considerável de recursos, incluindo generosos subsídios a estados e empresas.
“É só pensar que um dos maiores apoiadores do Trump é alguém que ganha uma fortuna vendendo carros elétricos”, destacou Claudio Angelo, em referência ao bilionário Elon Musk, dono da Tesla.
Para Dan Lashof, diretor para os EUA da organização não governamental WRI (World Resources Institute), “não há como negar que uma nova Presidência de Trump vai estagnar os esforços nacionais para enfrentar a crise climática e proteger o meio ambiente“.
Ele considera, no entanto, que a maioria dos líderes locais e estaduais norte-americanos, além do setor privado, está comprometida em seguir em frente.
“Não será o fim da transição para a energia limpa, que acelerou rapidamente nos últimos quatro anos. Tanto estados liderados por republicanos quanto por democratas estão vendo os benefícios da fabricação e implantação de energia eólica, solar e de baterias, graças aos bilhões de dólares em investimentos.”
Apesar das perspectivas negativas sobre a mudança na liderança dos EUA, os especialistas consideram que a agenda climática global é hoje mais robusta e tem maior apoio internacional.
“Embora a notícia de que Trump pretende deixar o Acordo de Paris possa causar ansiedade inicial na COP29, a maioria do mundo reconhece que a ação climática não depende de quem está no poder nos EUA, e, como vimos antes e veremos novamente, outros países darão um passo à frente se os EUA se esquivarem de suas responsabilidades e recuarem”, disse Tasneem Essop, diretora-executiva da Climate Action Network, que reúne mais de 1.900 organizações não governamentais ligadas às questões ambientais.
“Mas os EUA ainda serão responsabilizados, tanto por seus próprios cidadãos quanto por governos e pessoas em todo o mundo”, completa.
Para Essop, a transição energética é inevitável e está acelerando em muitos países e em todos os EUA, independentemente de quem esteja no poder. Nesse contexto, Washington perderia sua capacidade de influenciar as decisões que mudarão a trajetória do desenvolvimento econômico mundial
“Se Trump sair da corrida global por energia limpa, ele será o perdedor. Os países que avançarem primeiro serão os vencedores”, acrescentou.
Para Claudio Angelo, do Observatório do Clima, o novo cenário desloca o eixo de liderança nas negociações climáticas, trazendo peso ainda maior para a união Europeia e a China, além do Brasil, que sediará a COP30, em Belém, em 2025.
“Desde que o cenário de possibilidade de vitória do Trump começou a se desenhar de forma séria, a comunidade internacional já volta todos os olhos para a presidência brasileira na COP30, que vai ser a primeira do Trump”, afirmou.