O veleiro James R. Bentley, de 52 metros de comprimento, está 50 metros abaixo da superfície do lago Huron desde 1878. E dentro de seu porão havia um tesouro improvável.
A missão de recuperá-lo do fundo de Huron, um dos Grandes Lagos —que se estendem de Michigan (Estados Unidos) a Ontário (Canadá), reuniu uma equipe de resgate em uma manhã de setembro.
Se o mergulho fosse bem-sucedido, o grupo traria à tona não ouro, joias ou outros tesouros tão comuns em naufrágios. Em vez disso, eles visavam recuperar sementes de centeio de 145 anos.
O mergulho foi patrocinado por Chad Munger, fundador da Mammoth Distilling, que produz destilados no norte de Michigan.
Para ele, as sementes de centeio representavam a promessa de um sabor local que poderia ajudar a diferenciar seu uísque.
Para o botânico Eric Olson, que dirige um laboratório na Universidade Estadual de Michigan, as sementes continham informações botânicas ocultas que poderiam lançar luz sobre a agricultura passada em Michigan.
E, para os mergulhadores e especialistas em naufrágios da expedição, elas ofereciam a chance de interagir com um tesouro histórico muito mais de perto do que normalmente é possível.
Muitas possibilidades poderiam surgir das pequenas sementes, sobretudo se pudessem ser feitas para brotar. Mas primeiro elas tinham que ser resgatadas.
Por que o Bentley
Naufrágios nos Grandes Lagos são um dos segredos mais bem guardados da América, segundo Ross Richardson, autor e historiador que ajudou a impulsionar a expedição Bentley.
Richardson estima que 4.000 embarcações estejam sob os lagos, com um quarto delas ainda não descobertas. Uma pequena comunidade de entusiastas estuda e documenta os episódios, além de tentar identificar novos, como o Westmoreland, descoberto em 2010.
Munger, fundador da destilaria, tem um espírito semelhante de busca. Ele procura oportunidades para apoiar produtores locais e destacar suas ofertas. Parte do uísque de sua destilaria é feito com centeio Rosen, uma variedade histórica amada por contrabandistas no passado e que havia desaparecido dos campos de Michigan até que ele começasse a plantá-la em 2020.
O centeio, juntamente com a madeira em que é envelhecido, proporciona ao uísque seu sabor.
Anos atrás, Richardson e Munger começaram a discutir a possibilidade de fazer outro uísque historicamente infundido, usando madeira do Westmoreland. Mas esta embarcação, como a maioria daquelas que naufragaram, é propriedade do Estado e não pode ser explorada sem uma licença.
O Bentley, porém, pertence a Paul Ehorn, outro especialista em naufrágios dos Grandes Lagos. Richardson perguntou a Munger se ele aceitaria usar a madeira da sua embarcação e mostrou um recorte de jornal antigo sobre o navio que detalhava seu afundamento, o resgate bem-sucedido da tripulação e da carga de centeio.
O proprietário da embarcação lembra-se de ter dito que aquela madeira de fato era muito interessante. “Mas sabe o que é muito mais interessante? Centeio!”, afirmou a época.
Munger e Ehorn fecharam um acordo, e todos começaram a pensar em como recuperar as sementes.
O mergulho
Por volta das 9h30 de 17 de setembro, dois barcos partiram da baía de Hammond, em Michigan. Neles estavam Munger, Richardson e Ehorn, acompanhados por dois mergulhadores técnicos, Bruce Bittner e Dusty Klifman. O grupo navegou até o ponto onde estava o Bentley, preso no lodo a 50 metros de profundidade.
Klifman vestiu seu traje seco e nadadeiras, pegou seu rebreather e deixou o barco. A 15 metros de profundidade, ele sentiu a primeira mudança de temperatura e continuou sua jornada.
O ambiente frio e sem oxigênio ajuda a preservar as embarcações que naufragaram no lago Huron, assim como o que estiver dentro delas. Klifman já explorou navios que tinham vidro intacto em suas janelas ou pratos empilhados nas prateleiras da cozinha.
A equipe esperava se deparar com sementes no mesmo estado de conservação.
Quando chegaram ao Bentley, Bittner entregou a Klifman um tubo de amostragem grande, semelhante a uma seringa, que Richardson havia projetado para o trabalho. Klifman mergulhou o tubo no porão.
Quando ele o retirou, viu os grãos. “Pensei: ‘esse material ainda está bom’.” Ele então encheu um segundo tubo, e ele e Bittner começaram a lenta jornada de volta à superfície.
Klifman, que mergulha desde os 13 anos, fez centenas de viagens para as profundezas dos Grandes Lagos. Mas uma lei de 1988 geralmente o impede de levar qualquer coisa de volta para a superfície. Com isso, aquela chance de resgatar algo das profundezas, tornou-se algo muito especial para ele.
‘Método Jurassic Park’
Por volta das 12h30, a equipe estava de volta ao ponto de onde partiu na baía de Hammond. Munger abriu o porta-malas de sua van e colocou as sementes no gelo. Ele seguiu para a Universidade Estadual de Michigan, onde Olson o aguardava para abrir as cápsulas no laboratório de botânica.
Aquelas sementes são as mais antigas com as quais Olson já trabalhou, e ele passou semanas tentando ressuscitá-las. Algumas ele secou e depois embebeu em uma solução. Outras ele colocou em armazenamento a frio, para proporcionar uma adaptação mais suave à vida fora do lago. À maioria ele deu água e luz e as deixou por conta própria.
Infelizmente, nenhuma semente germinaria. “Não conseguimos obter plantas”, disse Olson.
Mas ele conseguiu material genético das sementes, o que pode ajudar a determinar sua procedência e variedade. Seu laboratório também pode tentar introduzir partes do genoma desse centeio em uma variedade moderna usando edição genética, o que ele comparou ao “método Jurassic Park”.
De acordo com Olson, mesmo uma forma alterada do grão pode ter características que a moderna criação de plantas eliminou de nossas colheitas. “É um pedaço da história agrícola que conseguimos trazer de volta”, afirmou ele.