A Surgent Studios entra no mundo dos videojogos com o pé direito. Tales of Kenzera: Zau, o seu título de estreia, é divertido e acessível em igual medida, embrulhado numa bonita história.
Tales of Kenzera: Zau entrou muito recentemente para o meu radar, aquando do convite da EA para uma preview do jogo – que podes ler na sua plenitude aqui. Na altura, admito, pouco sabia sobre o jogo: no entanto, esta sessão com os seus responsáveis foi o suficiente para abrir o meu apetite de uma forma incomensurável.
O facto de ser uma propriedade intelectual inteiramente nova torna o seu lançamento num evento entusiasmante, já que podemos desfrutar da sua história e mitologia sem quaisquer ideias, noções ou preconceitos prévios que deteriorem a experiência; para além disso, aliar o popular género metroidvania com a inexplorada cultura africana fez com que o jogo se demarcasse de praticamente tudo aquilo que existe, especialmente de um ponto de vista temático e visual.
É óbvio que as impressões gerais da preview poderiam não se traduzir para o jogo principal – algo que me passou diversas vezes pela cabeça e que não é inteiramente raro nesta indústria – mas posso desde já garantir que este não é o caso. E é importante notar que este é o primeiríssimo projeto da Surgent Studios, que faz assim uma estreia em grande no mundo dos videojogos e coloca-se no mapa como um estúdio a ter debaixo de olho nos anos vindouros.
Tales of Kenzera: Zau chega a 23 de abril
Mas debrucemo-nos em concreto em Tales of Kenzera: Zau; como metroidvania, o jogo alicerça-se bastante no género, usando as suas típicas características. Existe um enorme mundo de jogo labiríntico, com várias ramificações nos caminhos, muitos deles bloqueados até que certas habilidades sejam desbloqueadas. Poderás ainda contar com uma forte componente de exploração, vários desafios de plataformas, e ainda múltiplas secções de puzzles e combate.
Isto é essencialmente o que vais fazer em Tales of Kenzera Zau, à medida que percorres as suas variadas e distintas paisagens; o jogo vai levar-te aos pontos mais altos de Kenzera, atravessando os periclitantes picos montanhosos, até às suas profundezas cavernosas repletas de formações rochosas e pântanos. Fortemente inspirado na geografia africana, o jogo leva-te ainda a florestas densas, com várias casas de madeira nas copas das árvores, vulcões em erupção, ruínas decadentes, entre muitos outros locais esteticamente apelativos, muitos deles repletos de armadilhas mortais que te matarão em apenas um toque.
Curiosamente, algo que me apanhou desprevenido foi a sua surpreendente linearidade – tendo em conta a vasta quantidade de biomas e a dimensão considerável do mapa, presumi que me fosse perder uma e outra vez em busca do caminho principal mas tal não aconteceu; o objetivo principal do jogo está sempre visível no mapa, pelo que sabes sempre para onde tens de te dirigir, o que pode ser visto de dois primas muito distintos: por um lado, pode remover aquela viciante satisfação de descoberta, de finalmente teres encontrado a solução após horas à procura; mas, por outro lado, torna o jogo mais acessível para outros jogadores, servindo de porta de entrada para este género.
Como seria de esperar num jogo com grande foco em exploração/combate/plataformas, uma jogabilidade fluida é preponderante, e o protagonista Zau é um atlético olímpico em construção. Também indo um pouco contra os metroidvania, não começas totalmente desprovido de poderes: desde o início que podes saltar, fazer duplo salto, “dash”, “wall jump”, entre muitas outras coisas, e de forma tão precisa que Zau até parece funcionar como uma extensão dos teus próprios dedos.
Esta fluidez estende-se também ao combate, que tem uma particularidade muito curiosa: as máscaras do Sol e da Lua. Cada uma delas possui um propósito muito distinto, com a primeira a ser adequada em combate próximo e a segunda para eliminar os inimigos à distância; podes trocar entre ambas com apenas um toque no comando, criando uma dança que demorou algum tempo a ser assimilada mas, assim que se entranhou nos confins do meu cérebro, deu azo a combos verdadeiramente espetaculares.
Estas máscaras, todavia, podem ser usadas noutros contextos fora de batalha: ambas permitem lançar umas setas especiais que produzem resultados muitos distinto e que são necessárias para atravessar o mundo do jogo. Por exemplo, a máscara da Lua é capaz de congelar riachos, permitindo alcançar locais até então inacessíveis; por sua vez, a lança da máscara do Sol pode ativar portais que estão associadas a portas fechadas. O combate do jogo é efetivamente muito profundo, e vale a pena mencionar que cada uma das máscaras possui um derradeiro ataque devastador, que pode posteriormente ser aumentado.
Ao longo do jogo, vamos encontrando alguns santuários onde são conferidos poderes mágicos extra a Zau, necessários para transpor determinados obstáculos no jogo; o gancho, a capacidade de planar ou construir/destruir plataformas são alguns deles, mas não revelarei mais para não destruir a experiência aos interessados no jogo.
Todos os teus poderes são postos à prova em diversos confrontos com inimigos, muitos deles envolvendo várias ondas ou variantes especiais com uma camada extra de proteção – a variedade não é propriamente extensa, e darás por ti a matar as mesmas criaturas até praticamente o fim do jogo, mas esse panorama é colmatado pelo combate fluido e criativo. Existem também algumas bosses (mas não muitas!) que mudam drasticamente o ritmo do jogo; nenhuma delas foi propriamente difícil, mas algumas delas possuem desafiantes secções de fuga, onde tens de correr o mais depressa possível à medida que algo te persegue.
Um metroidvania muito completo
Como podes ver, o jogo é extremamente completo e sinto que ainda bordei uma pequena percentagem do mesmo; por exemplo, existem várias árvores baobá espalhadas pelo mapa do jogo, por vezes fora do caminho principal, que conferem vida extra a Zau. Caso te depares com um grande triângulo roxo algures no mundo do jogo (presente no logótipo do jogo), isso significa que estás perante um complexo desafio de plataforma que, caso completado, desbloqueia amuletos especiais que te conferem habilidades adicionais; e existem ainda desafios de combate que permitem desbloquear mais espaços para equipar os amuletos mencionados anteriormente.
Tudo isto embalado numa história simples mas bastante direta que lida com temas pesados como a morte, a vida, o luto, o além. Divida em dois, começamos o jogo com Zuberi, um rapaz que vive na cidade africana de Kenzera em 2089; o seu pai acabara de morrer, mas deixou-lhe um livro onde conta a história de Zau, e é aqui que começa a segunda parte da história.
Zau também perdeu o seu pai, mas decidiu fazer um acordo com o deus da morte, Kalunga; em troca de três espíritos – que não vou nomear por questões de spoilers – Kalunga promete trazer de volta o pai de Zau. Não existe nada propriamente inovador, tratando-se simplesmente de uma história muito bonita com uma reviravolta final que me apanhou desprevenido (em retrospetiva, sinto-me um pouco embaraçado por não ter suspeitado mais cedo).
Tales of Kenzera: Zau preenche todos os requisitos que um videojogo deve ter, tratando-se de uma experiência divertida, bela e desafiante em igual medida, com algumas secções de plataforma verdadeiramente insanas. Existem alguns momentos mais vazios, até um pouco repetitivos, à medida que nos aproximamos do final, que poderão deixar alguns jogadores de pé atrás – mas nem isso foi o suficiente para me demover ou colocar um gosto amargo na minha boca.
Adicionalmente, joguei Tales of Kenzera sempre com o modo de desempenho ligado e acredito que essa é a melhor opção para um jogo frenético como este – os gráficos ligeiramente superiores não compensam a perda de fotogramas. De facto, não houve nada de um ponto de vista técnico que tenha captado a minha atenção de uma forma muito negativa excetuando o facto de, por vezes, a câmara não parecer acompanhar devidamente o movimento de Zau.
Apenas alguns momentos mais repetitivos
De qualquer modo, se este é o primeiro título da Surgent Studios, nem quero imaginar aquilo que o estúdio conseguirá fazer à medida que ganhar mais experiência e traquejo na produção de videojogos. Sou fã de metroidvanias, o que poderá ter certamente ajudado, mas acredito que Tales of Kenzera: Zau tem algo para qualquer jogador.
Prós: | Contras: |
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