A Gavi, aliança global pelas vacinas, vê a ampliação da oferta de imunizantes contra a dengue como um dos principais para a saúde global nos próximos anos, diante da chegada da doença a zonas de clima temperado como reflexo das mudanças climáticas.
Para a diretora-geral de Mobilização de Recursos e Crescimento da instituição Marie-Ange Saraka Yao, o Brasil desponta como uma alternativa nesse esforço de diversificar a produção dos imunizantes, hoje concentrados pela farmacêutica japonesa Takeda.
“Nós precisamos de mais empresas para acompanhar a demanda”, disse Marie-Ange à Folha durante passagem pelo Rio de Janeiro para participar de reuniões do bloco de saúde do G20.
“Antes, a dengue estava concentrada na América Latina e um pouco da Ásia. Com a mudança do clima, agora tem dengue na Itália, no sul dos Estados Unidos, no sul da França. Eu venho do Costa do Marfim, e agora nós temos dengue lá.”
A Takeda tem anunciado negociações com laboratórios internacionais para produzir o imunizante. Em fevereiro, informou ter fechado com a indústria indiana BE (Biological E. Limited) para ampliar a produção do seu imunizante.
Em outubro, a Fiocruz pediu ao Ministério da Saúde a produção nacional da vacina, também em parceria com o laboratório japonês. Marie-Ange diz que a expertise brasileira na produção de vacinas pode tornar o país um dos fornecedores globais desse imunizante.
Uma equipe técnica da Gavi esteve no Brasil este mês para debater o tema com a fundação. A aliança criada pela Fundação Bill e Melinda Gates incluiu o tema entre suas prioridades para os próximos cinco anos e planeja comprar grandes lotes de imunizantes para viabilizar a produção.
A diretora da Gavi avalia que as críticas ao governo brasileiro sobre a pouca oferta de vacinas para dengue são injustas, já que o problema é global. “Na verdade, o Brasil tem mais vacina contra a dengue do que o resto do mundo.”
A mudança climática não terá efeito apenas sobre a dengue e a Gavi espera contar com produção brasileira também para acompanhar o aumento da demanda por outras vacinas, como a febre amarela, já disponível no país, ou outras ainda em fase de desenvolvimento, como a malária.
“As pessoas relacionam muito as mudanças climáticas a transição energética, descarbonização, mas tem um lado humano, temos agora todos esses vírus que estão se espalhando com o calor: malária, dengue”, diz.
“Mas a coisa boa é que há vacinas, então nós precisamos produzir mais. Precisamos produzir mais no Brasil. Do mesmo jeito que temos a Índia [como grande produtora] na Ásia, produzindo, nós poderíamos ter o Brasil”, completa.
Essa diversificação dos polos de produção, acrescenta ela, pode reduzir desigualdades globais na distribuição de imunizantes em casos de epidemias ou até de novas pandemias como a Covid, quando países desenvolvidos aplicaram doses em suas populações antes dos países pobres.
Na última terça-feira (28), a ministra da Saúde, Nísia Trindade, propôs no encontro do G20 uma coalizão para apoiar a diversificação na produção global, com o objetivo de reduzir as desigualdades.
Devido à falta de imunizantes, a ministra já disse que a vacinação contra a dengue ainda não será a principal estratégia de combate à dengue em 2025.
“É muito importante ter mais países produzindo”, concorda Marie-Ange. “Mas produzir vacinas não é fácil. O Brasil tem a experiência, então nós queremos que o Brasil apoie a África, porque a epidemiologia aqui é similar à de muitos países africanos.”