Vivemos em uma era de ouro para o aprendizado sobre o Universo. Nossos telescópios mais potentes revelaram que o cosmos é surpreendentemente simples nas maiores escalas visíveis. Da mesma forma, nosso “microscópio” mais poderoso, o Grande Colisor de Hádrons (Large Hadron Collider, LHC), não encontrou desvios da física conhecida nas menores escalas.
Essas descobertas não eram o que a maioria dos teóricos esperava. Atualmente, a abordagem teórica dominante na cosmologia combina a teoria das cordas, uma estrutura matemática poderosa sem nenhuma previsão física bem-sucedida até o momento, e a “inflação cósmica”, a ideia de que, em um estágio muito inicial, o Universo se expandiu muito rápido. Em conjunto, a teoria das cordas e a inflação preveem que o cosmos seja incrivelmente complexo em escalas minúsculas, e completamente caótico em escalas muito grandes.
A natureza desta complexidade esperada pode assumir uma variedade desconcertante de formas. Com base nisso, e apesar da ausência de evidências observacionais, muitos teóricos promovem a ideia de um “multiverso”: um cosmo incontrolável e imprevisível que consiste em muitos Universos, cada um com propriedades e leis físicas totalmente diferentes.
Até o momento, as observações indicam exatamente o contrário. O que devemos pensar sobre essa discrepância? Uma possibilidade é que a aparente simplicidade do Universo seja apenas um acaso dentro da gama limitada de escalas que podemos sondar hoje e que, quando as observações e os experimentos atingirem escalas suficientemente pequenas ou grandes, a complexidade será revelada.
A outra possibilidade é que o Universo realmente é muito simples e previsível tanto nas escalas maiores quanto nas menores. Acredito que essa possibilidade deva ser levada muito mais a sério. Pois, se for verdade, talvez estejamos mais perto do que imaginamos de entender os enigmas mais básicos do Universo. E algumas das respostas podem já estar nos encarando.
A ortodoxia atual é resultado de décadas de esforço de milhares de teóricos sérios. De acordo com a teoria das cordas, os blocos básicos de construção do Universo são minúsculos “laços” vibratórios e pedaços de “cordas” subatômicas. Conforme entendida atualmente, esta teoria só funciona se houver mais dimensões de espaço do que as três que experimentamos. Portanto, os teóricos das cordas presumem que o motivo pelo qual não as detectamos é o fato de serem minúsculas e enroladas.
Infelizmente, isso torna a teoria das cordas difícil de ser testada, pois há um número quase inimaginável de maneiras pelas quais as dimensões pequenas podem ser enroladas, sendo que cada uma delas produz um conjunto diferente de leis físicas nas dimensões grandes restantes.
Enquanto isso, a inflação cósmica é um cenário proposto na década de 1980 para explicar por que o Universo é tão suave e “plano” nas maiores escalas que podemos ver. A ideia é que o Universo primitivo era pequeno e irregular, mas uma explosão de expansão extrema ultrarrápida o fez aumentar muito de tamanho, suavizando-o e achatando-o para que ficasse consistente com o que vemos hoje.
A inflação também é popular porque pode explicar por que a densidade de energia no Universo primitivo variava ligeiramente de um lugar para outro. Isso é importante porque as regiões mais densas teriam posteriormente entrado em colapso sob sua própria gravidade, semeando a formação de galáxias.
Nas últimas três décadas, as variações de densidade foram medidas de forma cada vez mais precisa, tanto pelo mapeamento da radiação cósmica de fundo em micro-ondas —o “eco” do Big Bang— quanto pelo mapeamento da distribuição tridimensional das galáxias.
Na maioria dos modelos de inflação, a expansão explosiva inicial que suavizou e achatou o Universo também gerou ondas gravitacionais de longo comprimento de onda —ondulações no tecido do espaço-tempo. Essas ondas, se observadas, seriam um sinal “fumegante” que confirmaria que a inflação realmente ocorreu. Entretanto, até o momento, as observações não conseguiram detectar nenhum sinal desse tipo. Em vez disso, à medida que os experimentos foram sendo aprimorados, mais e mais modelos de inflação foram descartados.
Além disso, durante a inflação, diferentes regiões do espaço podem experimentar quantidades muito diferentes de expansão. Em escalas muito grandes, isso gera um multiverso de Universos pós-inflacionários, cada um com diferentes leis da física.
O cenário da inflação baseia-se em suposições sobre as formas de energia presentes e as condições iniciais. Embora essas suposições resolvam alguns quebra-cabeças, elas criam outros. Os teóricos das cordas e da inflação esperam que, em algum lugar do vasto multiverso inflacionário, exista uma região de espaço e tempo com as propriedades certas para corresponder ao Universo que vemos.
Entretanto, mesmo que isso seja verdade (e ainda não foi encontrado nenhum modelo desse tipo), uma comparação justa das teorias deve incluir um “fator de Occam”, quantificando a “navalha de Occam”, que penaliza teorias com muitos parâmetros e possibilidades em relação às mais simples e mais preditivas. Ignorar o fator de Occam equivale a presumir que não há alternativa para a hipótese complexa e não preditora —uma afirmação que acredito ter pouco fundamento.
Nas últimas décadas, houve muitas oportunidades para que experimentos e observações revelassem sinais específicos da teoria das cordas ou da inflação. Mas nenhum deles foi visto. Repetidas vezes, as observações se mostraram mais simples e mínimas do que o esperado.
Acredito que já é hora de reconhecer e aprender com esses fracassos e começar a procurar seriamente por alternativas melhores.
Uma alternativa mais simples
Recentemente, meu colega Latham Boyle e eu tentamos criar teorias cosmológicas mais simples e testáveis que eliminem a inflação e a teoria das cordas. Seguindo pistas das observações, tentamos resolver alguns dos mais profundos enigmas cósmicos com um mínimo de suposições teóricas.
Nossas primeiras tentativas foram bem-sucedidas além de nossas esperanças mais otimistas. O tempo dirá se elas sobreviverão a um exame mais aprofundado. Entretanto, o progresso que já fizemos me convence de que, com toda a probabilidade, existem alternativas à ortodoxia padrão, que se tornou uma camisa de força da qual precisamos nos livrar.
Espero que nossa experiência incentive outras pessoas, especialmente pesquisadores mais jovens, a explorar novas abordagens guiadas fortemente pela simplicidade das observações —e a serem mais céticos em relação aos preconceitos dos mais velhos. Em última análise, devemos aprender com o Universo e adaptar nossas teorias a ele, e não vice-versa.
Boyle e eu começamos abordando um dos maiores paradoxos da cosmologia. Se seguirmos o Universo em expansão para trás no tempo, usando a teoria da relatividade de Einstein e as leis conhecidas da física, o espaço se reduz a um único ponto, a “singularidade inicial”.
Ao tentar dar sentido a esse início infinitamente denso e quente, os teóricos, inclusive o ganhador do prêmio Nobel Roger Penrose, apontaram para uma simetria profunda nas leis básicas que regem a luz e as partículas sem massa. Essa simetria, chamada de simetria “conformal”, significa que nem a luz nem as partículas sem massa realmente experimentam o encolhimento do espaço no Big Bang.
Ao explorar essa simetria, é possível seguir a luz e as partículas até o início. Ao fazer isso, Boyle e eu descobrimos que poderíamos descrever a singularidade inicial como um “espelho”: um limite refletor no tempo (com o tempo avançando de um lado e retrocedendo do outro).
A imagem do Big Bang como um espelho explica perfeitamente muitas características do Universo que, de outra forma, poderiam parecer conflitantes com as leis mais básicas da física. Por exemplo, para cada processo físico, a teoria quântica permite um processo “espelho” no qual o espaço é invertido, o tempo é revertido e cada partícula é substituída por sua antipartícula (uma partícula semelhante a ela em quase todos os aspectos, mas com a carga elétrica oposta).
De acordo com essa poderosa simetria, chamada simetria CPT, o processo “espelho” deve ocorrer exatamente na mesma velocidade que o original. Um dos enigmas mais básicos sobre o Universo é que ele parece violar a simetria CPT porque o tempo sempre corre para frente e há mais partículas do que antipartículas.
Nossa hipótese do espelho restaura a simetria do Universo. Quando você se olha em um espelho, vê sua imagem atrás dele: se você é canhoto, a imagem é destra e vice-versa. A combinação de você e sua imagem no espelho é mais simétrica do que você sozinho.
Da mesma forma, quando Boyle e eu extrapolamos nosso Universo até o Big Bang, encontramos sua imagem no espelho, um “Universo pré-bang” no qual (em relação a nós) o tempo corre para trás e as antipartículas superam em número as partículas. Para que essa imagem seja verdadeira, não precisamos que o “Universo espelho” seja real no sentido clássico (assim como sua imagem em um espelho não é real). A teoria quântica, que rege o microcosmo de átomos e partículas, desafia nossa intuição, portanto, neste momento, o melhor que podemos fazer é pensar no “Universo espelho” como um dispositivo matemático que garante que a condição inicial do Universo não viole a simetria CPT.
Surpreendentemente, essa nova imagem forneceu uma pista importante sobre a natureza da substância cósmica desconhecida chamada matéria escura. Os neutrinos são partículas muito leves que, normalmente, se movem próximo à velocidade da luz e que giram à medida que se movem, como pequenos piões. Se você apontar o polegar da mão esquerda na direção em que o neutrino se move, seus quatro dedos indicarão a direção em que ele gira. Os neutrinos leves observados são chamados de neutrinos “canhotos”.
Os neutrinos pesados “destros” nunca foram observados diretamente, mas sua existência foi inferida a partir das propriedades observadas dos neutrinos leves e canhotos. Os neutrinos estáveis e destros seriam os candidatos perfeitos para a matéria escura porque não se acoplam a nenhuma das forças conhecidas, exceto a gravidade. Antes de nosso trabalho, não se sabia como eles poderiam ter sido produzidos no Universo primitivo quente.
Nossa hipótese do espelho nos permitiu calcular exatamente quantos se formariam e mostrar que eles poderiam explicar a matéria escura cósmica.
Seguiu-se uma previsão testável: se a matéria escura consiste em neutrinos estáveis e destros, então um dos três neutrinos leves que conhecemos deve ser exatamente sem massa. Notavelmente, essa previsão está sendo testada agora com o uso de observações do agrupamento gravitacional da matéria feitas por pesquisas de galáxias em grande escala.
A entropia dos Universos
Encorajados por esse resultado, começamos a lidar com outro grande quebra-cabeça: por que o Universo é tão uniforme e espacialmente plano, e não curvo, nas maiores escalas visíveis? Afinal, o cenário da inflação cósmica foi inventado pelos teóricos para resolver esse problema.
A entropia é um conceito que quantifica o número de maneiras diferentes em que um sistema físico pode ser organizado. Por exemplo, se colocarmos algumas moléculas de ar em uma caixa, as configurações mais prováveis são aquelas que maximizam a entropia —com as moléculas mais ou menos suavemente espalhadas pelo espaço e compartilhando a energia total de forma mais ou menos igual. Esses tipos de argumentos são usados na física estatística, o campo que fundamenta nosso entendimento de calor, trabalho e termodinâmica.
O falecido físico Stephen Hawking e seus colaboradores generalizaram a física estatística para incluir a gravidade. Usando um argumento elegante, eles calcularam a temperatura e a entropia dos buracos negros. Usando nossa hipótese de “espelho”, Boyle e eu conseguimos estender seus argumentos à cosmologia e calcular a entropia de Universos inteiros.
Para nossa surpresa, o Universo com a maior entropia (o que significa que é o mais provável, assim como os átomos espalhados na caixa) é plano e se expande em um ritmo acelerado, exatamente como o Universo real. Portanto, os argumentos estatísticos explicam por que o Universo é plano e suave e tem uma pequena expansão acelerada positiva, sem a necessidade de inflação cósmica.
Como as variações de densidade primordial, geralmente atribuídas à inflação, teriam sido geradas em nosso Universo espelho simétrico? Recentemente, mostramos que um tipo específico de campo quântico (um campo de dimensão zero) gera exatamente o tipo de variações de densidade que observamos, sem inflação. É importante ressaltar que essas variações de densidade não são acompanhadas pelas ondas gravitacionais de comprimento de onda longo que a inflação prevê —e que não foram observadas.
Esses resultados são muito animadores. Mas é necessário mais trabalho para mostrar que nossa nova teoria é matematicamente sólida e fisicamente realista.
Mesmo que nossa nova teoria falhe, ela nos ensinou uma lição valiosa. É bem possível que existam explicações mais simples, mais poderosas e mais testáveis para as propriedades básicas do Universo do que as fornecidas pela ortodoxia padrão.
Ao enfrentar os profundos enigmas da cosmologia, guiados pelas observações e explorando direções ainda inexploradas, poderemos estabelecer bases mais seguras tanto para a física fundamental quanto para a nossa compreensão do Universo.