Ao contrário de muitos colegas de profissão, Neide Rigo é uma nutricionista que não acredita em superalimentos ou em dietas de porta de geladeira. Não é sustentável a longo prazo, diz. Para ela, a comida saudável vai além dos nutrientes que cada ingrediente pode fornecer.
“Tem que ser sustentável para o planeta, deixar menos rastro, tem que ser bom para quem produz, causar menos impacto. De modo geral, não individual, diz. “A melhor coisa é você comer alimentos locais, associados à sua cultura, que sejam de fácil acesso.”
Rigo afirma que num mar de restrições e o que chamou de teorias conspiratórias, a maioria das pessoas sabe o que é saudável. Deve-se pensar no que cozinhavam os pais e avós, diz, mas sem se prender ao passado. Para ela, “um prato de arroz com feijão, tendo variedade de legumes e verduras junto, menos carne, tá ótimo”.
Ela defende essas ideias há anos em seu blog Come-se, que mantém desde 2006, e em seu perfil do Instagram, onde tem mais de 170 mil seguidores. Agora, Rigo lança o livro “Comida Comum”, pela Ubu.
A nutricionista recebeu —com um copo de kombucha de limão e gengibre— a repórter em sua casa no dia seguinte ao lançamento da obra em São Paulo. Lá, ela ganhou um maço de PANCs, sigla para plantas alimentícias não convencionais.
Elas foram colhidas em uma raia de piscina aterrada da Universidade de São Paulo, sua alma mater. Ela conta que quando viveu no conjunto residencial estudantil já cultivava plantas como chuchu e café.
Hoje, Rigo é uma ativista do plantio. Na Lapa, onde vive, além das plantas que cultiva no próprio quintal, ela cuida de uma horta comunitária instalada em uma antiga praça abandonada. Ela diz, em tom de brincadeira, que o espaço se tornou quase um showroom de PANCs.
A nutricionista é dedicada a essas plantas resilientes e esquecidas —e ela diz que a qualquer momento alimentos como almeirão, jiló e quiabo podem entrar para esse rol, já que a diversidade dos pratos está caindo.
“A comida da maioria dos brasileiros é uma comida comum. É à base de feijão, farinha, arroz, uma verdura”, afirma. “A partir daí, se incluir as PANCs, por exemplo, pode ser uma comida nacional, comum a todos e vai ficar todo mundo bem.”
Ela tenta introduzir essa diversidade, inclusive, no prato do neto, Raul, de 4 anos. Rigo compartilha no Instagram algumas receitas que faz para ele —que é fã da mesma kombucha fermentada que ela serviu na entrevista—, como sorvete de iogurte e pitaya e pesto de jatobá quebrado por ele mesmo.
Alimentação infantil é um tema que divide opiniões. Há quem defenda a praticidade dos ultraprocessados em meio à vida corrida dos pais, há quem declare guerra a qualquer grãozinho de açúcar. Rigo advoga pelo que chama de “caminho do meio”.
“A comida da criança não precisa ser diferente da comida do adulto. Eu acho que nós, adultos, temos que aprender a comer a comida da criança”, diz. Se você não vai dar determinado alimento para o seu filho, questiona ela, então por que você come?
A nomenclatura de ultraprocessados é objeto de defesa de Rigo. A classificação, criada pelo nutricionista brasileiro Carlos Monteiro nos anos 1990 é alvo de questionamentos, já que coloca no mesmo saco um pão integral e um pacote de salgadinho.
O que explica essa opção é o fato de a classificação levar em conta os processos pelos quais os alimentos passaram. Os ultraprocessados, por exemplo, são aqueles em que imperam os métodos industriais e ingredientes que não se encontra com facilidade numa cozinha. Corantes, espessantes, conservantes.
“Às vezes eu coloco tudo no mesmo pacote porque vem empacotado”, diz ela, que evita esse tipo de alimento. Rigo pondera que existem produtos processados mais artesanais do que outros, mas os ingredientes usados devem ser levados em consideração. “Eu acho pão de forma maléfico. Entre um pão de forma integral, cheio de grãos e não sei o que, e um pão francês na padaria, eu vou no pão francês.”
Rigo faz uma diferenciação importante entre a cozinha ideal e a cozinha possível. O ideal é que seja “o mais natural possível, o mais sem veneno possível”, diz, em referência a aditivos químicos e agrotóxicos.
Mas ela entende as limitações impostas pelo cotidiano, por falta de tempo e por falta de dinheiro.
“Não pode condenar as pessoas. Imagina o sentimento de uma mãe que não tem o que dar para os seus filhos e acaba dando um alimento industrializado porque custou barato“, diz.
Ela vê um caminho possível nas políticas públicas, como a taxação de bebidas açucaradas —”tem que incentivar matar a sede com água, que esteja potável na casa das pessoas e não dependa de garrafinhas”— e o incentivo à criação de hortas comunitárias.
O espaço de que ela cuida na Lapa foi alvo de uma poda agressiva pelos serviços terceirizados. Fruto da desconexão das pessoas com a natureza, diz Rigo, já que uma plantação de PANCs em nada se parece com um jardim de grama e palmeiras.