O Brasil viu mais uma edição do Nobel terminar sem ganhar o seu, mas, em compensação, aumentou sua presença no Ig Nobel, prêmio-sátira da renomada láurea. Neste ano, o país recebeu a sua oitava premiação cômico-científica, curiosamente dominada pelos mesmos líderes do Nobel, Estados Unidos e Reino Unido.
Disparados no ranking de maiores ganhadores do Ig Nobel, americanos acumulam 139 prêmios, seguidos por britânicos, com 71. Na terceira, quarta e quinta colocações estão Japão (34), Austrália (30) e Países Baixos (30).
O Brasil aparece na 18ª colocação, com oito premiações —uma delas conquistada neste ano pelo biólogo Felipe Yamashita, que demonstrou que uma planta consegue imitar um vegetal de plástico colocado perto.
Para chegar a esses números, a reportagem construiu uma base de dados dos prêmios Ig Nobel (que pode ser acessado aqui), dado que a organização da premiação, apesar de ter uma página na qual elenca os premiados, não disponibiliza os dados de forma organizada.
São quase mil premiados, desde 1991, pelo Ig Nobel. Essa lista contém pesquisadores bem conhecidos, como o americano Eric Topol, que, curiosamente, nega a autoria de um estudo ganhador do Ig Nobel 1993 com mais de 900 coautores; um ganhador de Pulitzer, o americano John Edward Mack; estudantes de ensino médio, como Jiwon Han, que queria entender o que acontece quando alguém anda de costas com um copo de café na mão; e a nação de Liechtenstein, por tornar possível alugar o país inteiro para convenções corporativas, casamentos, entre outros eventos.
Há também figuras políticas de destaque, como o ex-primeiro-ministro britânico Boris Johnson, o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, e o ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro. Esses três, ao lado de alguns outros mandatários, receberam o Ig Nobel de educação médica, em 2020, “por ensinar ao mundo, com a Covid-19, que políticos podem ter mais efeito imediato sobre vida e morte do que cientistas e médicos”.
Entre as 70 categorias do Ig Nobel —guardadas as óbvias e devidas proporções, o Nobel tradicional possui seis—, também já foram premiadas entidades locais, como o US Government General Accountability Office, que em 2012 conquistou o prêmio-sátira de literatura por emitir um relatório sobre relatórios que falavam sobre relatórios, que recomendavam a preparação de um relatório sobre relatório que falava de relatórios sobre relatórios.
Já o prêmio de nutrição de 1992 foi para aqueles que utilizam Spam, a carne enlatada, que, acredita-se, deu origem ao termo tecnológico Spam graças a um esquete da trupe britânica Monty Python sobre Spam.
Assim como no caso da Covid, as premiações satíricas às vezes se tornam socioeconômicas e políticas.
A edição de 2010 premiou em economia os executivos e diretores do Goldman Sachs, AIG, Lehman Brothers, Bear Stearns, Merrill Lynch e Magnetar, bancos envolvidos na crise financeira mundial que teve início em 2008.
Também em 2010, a BP (British Petroleum) ganhou o Ig Nobel de química, “por refutar a antiga crença de que óleo e água não se misturam” —naquele ano, a empresa foi a responsável por um histórico vazamento de óleo no Golfo do México, na plataforma Deepwater Horizon.
Isso é uma amostra de como, apesar de ter como uma de suas intenções a risada, o Ig Nobel também diz buscar fazer com que as pessoas pensem. Dessa forma, as pesquisas premiadas muitas vezes apresentam temas sérios —o estudo do brasileiro vencedor em 2024 reforça a possibilidade de plantas enxergarem, a sua maneira, ecoando ideias presentes no livro “Revolução das Plantas”, do italiano Stefano Mancuso.
Outro premiado com o Ig Nobel de 2024 foi o trabalho de Justin Newman, professor da Universidade de Londres e integrante do Instituto para Estudo do Envelhecimento de Oxford. Em sua pesquisa, Newman observou que o segredo de locais com longevidade é, na verdade, um registro civil que não funciona direito.
Voltando ao Brasil, o nosso primeiro Ig Nobel veio em 2008, em arqueologia. Os ganhadores foram Astolfo G. Mello Araujo e José Carlos Marcelino, ambos da USP, por “medir como o curso da História, ou ao menos o conteúdo de um sítio arqueológico, pode ser bagunçado pelas ações de um tatu”, a partir de um experimento desenvolvido no Zoológico de São Paulo —com a participação de um tatu, é claro.
Nobel X Ig Nobel
Pode-se hipotetizar que a relativa coincidência entre os líderes de conquistas do Ig Nobel e do prêmio Nobel —pensando nas áreas científicas, ao menos— não é fruto de mera coincidência. Entre essas duas listas, estão nações com constante e prolífica produção científica.
Considerando, por exemplo, o relatório “Panorama das Mudanças na Pesquisa no Brasil”, produzido pela Clarivate, os EUA foram os líderes de produção de artigos científicos de 2019 a 2023. Em seguida, aparecem China, Reino Unido, Alemanha, Índia, Itália, Japão, Canadá, Austrália e França. Em outros rankings, as posições podem sofrer algumas alterações, mas os nomes se mantêm.
Todos esses países citados acima estão no top 15 de nações com mais Ig Nobéis —novamente, guardadas as necessárias e importantes proporções em relação ao prêmio-satírico.
No ranking da Clarivate, por exemplo, o Brasil fica na 13ª posição na produção científica mundial. Os dados históricos desse ranking mostram, porém, o país com um desempenho modesto, abaixo da média internacional e em queda nos últimos anos.
A certa coincidência, diz Mercedes Okumura, membro do comitê organizador do Ig Nobel e docente do Instituto de Biociências da USP, pode ter a ver com o financiamento científico e com a liberdade que instituições dão para pesquisas criativas e arriscadas.
“Claro, tem a ver também com o perfil do pesquisador, se ele/a é mais corajoso ou criativo para seguir determinada linha de pesquisa”, afirma a pesquisadora da USP. “Geralmente [ganhar] um Nobel exige que sua pesquisa seja inovadora e diferente.”
Ela cita o caso de Andre Geim, que, em 2000, ganhou um Ig Nobel de física “por usar ímãs para fazer um sapo levitar”. Em 2010, ele ganhou um Nobel de Física “por experimentos inovadores relacionados ao material bidimensional grafeno”.
Como foi feito o levantamento
A partir da base de dados construída pela Folha, a reportagem utilizou alguns critérios para determinar quantos Ig Nobéis cada país ganhou. Um Ig Nobel recebido significa que o país foi premiado, em uma determinada categoria (Paz, por exemplo), em um determinado ano.
Independentemente do número de pessoas/entidades premiadas na categoria em questão, em nome daquele país, foi contabilizado somente um prêmio.
Por exemplo: Dorothy Martin —que previu que o mundo acabaria em 1954—, dos EUA; Pat Robertson —que previu que o mundo acabaria em 1982, dos EUA; Elizabeth Clare Prophet —previu o fim do mundo para 1990—, dos EUA; Lee Jang Rim —previu o fim do mundo para 1992—, da Coreia do Sul; Credonia Mwerinde —previu o fim da Terra para 1999—, de Uganda; e Harold Camping —previu o fim da Terra, inicialmente, para 6 de setembro de 1994, mas depois mudou a data para 21 de outubro de 2011—, dos EUA.
Essas pessoas receberam o Ig Nobel de matemática de 2011, “por ensinar ao mundo a ser cuidadoso ao fazer suposições matemáticas e cálculos”. Nesse caso, foi contabilizado somente 1 Ig Nobel para os EUA, 1 para a Coreia do Sul e 1 para Uganda —inclusive, o único recebido pelo país.
No mesmo ano, foram contabilizados outros Ig Nobéis para os EUA, como de segurança pública, recebido por John Senders, “por conduzir uma série de experimentos de segurança em que uma pessoa dirige um automóvel em uma rodovia principal enquanto uma viseira cai repetidamente sobre seu rosto, cegando-a”.
Em muitos registros do Ig Nobel, há diversos ganhadores associados a um mesmo país (ou a vários) no mesmo ano e na mesma categoria. Além disso, há inúmeros registros onde são listados os países sem associação direta com pessoas —dificultando saber quem é de onde. Dessa forma, a reportagem optou pela forma de contabilização explicada acima para evitar contagens duplicadas ou associações errôneas.
Há também vários casos onde não há apontamentos claros sobre as origens das pessoas.