A Câmara dos Deputados deve votar nesta segunda-feira (4) um projeto de lei (PLP 175/24) com novas regras para as emendas parlamentares, limitando o aumento dos valores destinados a elas no Orçamento, o que deve ajudar o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a frear o avanço do Congresso sobre os recursos públicos federais. Entidades da sociedade civil, porém, alertam que a falta de transparência das emendas continua sendo um problema no projeto.
A proposta que entrou na pauta da Câmara é de autoria do deputado Rubens Pereira Júnior (PT-MA), vice-líder do governo na Câmara e aliado do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), que determinou o bloqueio das emendas parlamentares sob a justificativa de que faltava clareza sobre o uso do dinheiro. O projeto é uma tentativa de solucionar o impasse com a Corte e liberar os pagamentos.
O deputado disse à Gazeta do Povo que o texto foi construído a partir das discussões de um grupo de trabalho formado por integrantes da Câmara, Senado, Advocacia-Geral da União (AGU) e Casa Civil, e é um “ponto de partida” para tentar solucionar o impasse entre o Legislativo e o Judiciário na questão das emendas, mas que a decisão final será dos parlamentares, que poderão já votar o projeto caso a urgência seja aprovada pelo plenário.
“Pretende-se estabelecer um marco legal que compatibilize as práticas de proposição e execução de emendas ao Orçamento com normas fiscais e princípios fundadores da administração pública”, disse o deputado do PT.
Pereira Junior também cita como relevante o limite do crescimento do valor total das emendas parlamentares à Lei Orçamentária Anual (LOA), que fixa despesas e receitas do governo. O objetivo, segundo ele, é “harmonizar a expansão dessas despesas com a sistemática do arcabouço fiscal”.
O montante destinado às emendas mais que triplicou em cinco anos, passando de R$ 9,8 bilhões em 2019 para R$ 34,4 bilhões em 2023. A maioria delas é de pagamento obrigatório, o que acabou diminuindo a gestão direta do governo federal sobre uma parcela considerável dos gastos não obrigatórios, como investimentos em obras.
O PLP 175/24 estabelece que, para o Orçamento de 2025, o limite das emendas de bancada estadual continuará sendo o equivalente a 1% da Receita Corrente Líquida (RCL) deste ano, e as emendas individuais – que incluem as “PIX” – com o máximo de 2% da RCL, sendo que metade deverá envolver ações e serviços públicos de saúde. A partir de 2026, porém, o projeto prevê que essas emendas tenham o limite atualizado pela variação das despesas primárias determinada pelo arcabouço fiscal.
O texto ainda prevê o contingenciamento e bloqueio dos recursos das emendas para que as regras fiscais sejam cumpridas.
Emendas de bancadas destinadas a “recursos estruturantes”
A proposta do deputado também dispõe que as emendas de bancada, feitas por parlamentares dos estados e de pagamento obrigatório, só poderão destinar recursos a projetos considerados “estruturantes”, mediante registro em ata, e não poderão ser individualizadas.
O dinheiro, de acordo com o texto, só poderá ser destinado a projetos nas áreas de educação, saneamento, habitação, saúde, mudanças climáticas, transporte, infraestrutura e segurança.
O projeto também beneficia estados menores, ao relacionar a quantidade de emendas ao total de habitantes, com a previsão de oito emendas para aqueles com até 5 milhões de habitantes; seis para estados que tenham população entre 5 e 10 milhões; e quatro emendas para estados com população superior a 10 milhões. Nas regras atuais, cada bancada pode apresentar ao menos 15 emendas e no máximo 20 (caso de São Paulo, que tem a maior bancada).
Emendas de comissão deverão beneficiar obras do PAC
As emendas elaboradas pelas comissões temáticas, tanto da Câmara quanto do Senado, segundo a proposta do deputado petista, poderão ser destinadas somente a ações de interesse nacional ou regional, como por exemplo, as obras do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), programa do governo que prevê investimentos em infraestrutura.
As indicações deverão tratar de ações orçamentárias de interesse nacional ou regional, e assim como as emendas de bancada, terão que ser registradas em ata da comissão, identificando “de forma precisa” a ação ou projeto para o qual será destinada a verba, sendo que pelo menos metade das emendas de comissão terão que ser destinadas à saúde. Elas poderão somar até R$ 11,5 bilhões em 2025, e a partir de 2026 deverão ser corrigidas pelo IPCA, índice que mede a inflação.
“Emendas Pix” fiscalizadas pelo TCU
No caso das emendas individuais, de pagamento obrigatório, o deputado ou senador terá que informar o nome da ação e o valor destinado na transferência para estados ou municípios. Obras inacabadas terão prioridade. O PLP determina ainda que o dinheiro das emendas Pix seja fiscalizado pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Estados e municípios, assim como o Distrito Federal, também terão que informar as operações aos legislativos locais.
Propostas para sanar impasse sobre emendas beneficiam governo, diz analista
Na avaliação do diretor do Ranking dos Políticos, Juan Carlos Gonçalves, o projeto do deputado Rubens Pereira Júnior beneficia o governo, ao garantir investimentos na continuidade de obras inacabadas, por exemplo.
O mesmo ocorre com um outro Projeto de Lei Complementar apresentado também recentemente pelo relator do Orçamento 2025, o senador Ângelo Coronel (PSD-BA) para tentar liberar as emendas suspensas pelo ministro Flávio Dino. Porém, na avaliação de Juan Carlos, o projeto do vice-líder do governo está mais alinhado às exigências do STF.
“O projeto de Rubens é mais direto e de tramitação mais rápida”, explica o analista. Ele afirma ainda que embora as duas propostas ajudem a regularizar a transferência das emendas, garantindo a continuidade de investimentos do governo, o PLP de Pereira Júnior “incorpora critérios mais específicos, como a limitação do crescimento das emendas à Lei Orçamentária Anual, o que pode ajudar o governo a manter controle sobre o orçamento e evitar expansões descontroladas”.
Ainda na avaliação do diretor do Ranking dos Políticos, o projeto do deputado petista detalha os critérios para as emendas de bancada, que deverão ser direcionadas a “projetos e ações estruturantes” para o estado representado, como saúde, habitação, saneamento, transporte, educação, segurança pública e adaptação às mudanças climáticas. As bancadas terão limite de emendas por estado, variando de acordo com a população local.
Entidades criticam projeto, alegando que texto não garante transparência
Além de parlamentares, que já disparam críticas ao projeto do deputado Rubens Pereira Júnior, alegando que o parlamentar está “alinhado” com interesses do governo e do STF, pela proximidade com o ministro Flávio Dino, entidades como Transparência Brasil e Contas Abertas, que acompanham a aplicação de recursos públicos, divulgaram nota conjunta criticando o texto para regularizar as emendas.
As organizações afirmam que o projeto contém falhas e omissões graves e ressaltam que “é absolutamente essencial” que o “projeto seja submetido a um processo legislativo adequado, com a participação da sociedade civil”.
As entidades argumentam que o texto não atende às exigências estabelecidas pelo STF, especialmente no que se refere à transparência e à rastreabilidade das emendas, nem impõe as medidas necessárias para a redução dos graves riscos de corrupção no manejo das emendas parlamentares, cuja ocorrência é evidenciada por múltiplos escândalos recentes.
“A falta de transparência na formulação das emendas parlamentares seguirá, no caso das emendas coletivas, pela ausência de um rol mínimo e padronizado de informações que devem constar nas atas das reuniões de bancada e de comissão que definem as emendas a serem apresentadas. Inclusive, estas atas deveriam ser publicadas em formato estruturado, de modo a possibilitar o rastreio de todo o processo de execução nos sistemas do governo federal, como Transferegov e Portal da Transparência”, defendem a Transparência Brasil e Contas Abertas.
As organizações também apontam problemas no caso das emendas Pix, ao afirmar que “persistem muitos dos mesmos problemas com a regulamentação proposta”. “A obrigação de informar o objeto, imposta pelo PLP, não impede que tal informação seja genérica”.
A líder do Novo na Câmara, deputada Adriana Ventura, de São Paulo, também não poupou críticas ao PLP 175/24. Para ela, o projeto “é uma aberração” e o texto tornará a execução das emendas parlamentares ainda pior do que é hoje.
“Os problemas hoje existentes em relação à falta de transparência e de critérios para alocação dos recursos continuarão, porém o projeto cria uma nova reserva de recursos (um piso mínimo) para as emendas não impositivas de R$ 11,5 bilhões”.
Adriana Ventura afirma ainda que o texto legaliza a “rachadinha” nas emendas de bancada e continua permitindo que as de comissão funcionem como ferramenta para compra de apoio político no parlamento ao atribuir aos líderes dos partidos a indicação dos beneficiários do dinheiro.
Lira escolhe Elmar Nascimento para relatar projeto de emendas
Em meio ao clima de sucessão que já impera na Câmara, e ao mal estar provocado pelo apoio ao líder do Republicanos, Hugo Motta, para sucedê-lo, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) designou o líder do União Brasil, Elmar Nascimento, seu “ex-amigo” pessoal para relatar em plenário o projeto que trata da transparência das emendas.
Elmar era tido como sucessor de Lira e tem dito a todos que “perdeu” o amigo por conta da sucessão. A Executiva Nacional do União se reuniu na semana passada e atribuiu a Nascimento a decisão de manter ou não a candidatura à presidência da Câmara. O deputado admitiu conversar com Hugo Motta, que já conta com apoio da maioria dos partidos, inclusive PT e PL, e com Antônio Brito (PSD-BA), com quem firmou parceria após Lira indicar Hugo Motta para sucedê-lo.