A ciência brasileira tem baixo impacto? Como avaliar tal impacto? Como sua aplicação em tecnologia, inovação, educação e serviços públicos afeta a vida das pessoas? Esse é um tema complexo, controverso e que exige políticas públicas bem direcionadas. O Brasil, pelo seu tamanho e com inúmeros problemas a resolver, sem dúvida precisa de uma ciência forte, atualizada e bem financiada, para combater a desinformação, o colonialismo, o negacionismo científico, os movimentos antivacina e os crimes contra a saúde pública. Mas, para o deputado federal mais votado do Brasil, que frequenta atos antivacina, a solução parece fácil. Vejamos:
O Presidente da Comissão de Educação da Câmara, deputado Nikolas Ferreira (PL-MG), apresentou, no dia 9 de outubro, um requerimento (190/2024) sugerindo à Capes a adoção de “medidas muito simples” para promover a produção de pesquisas de maior impacto no âmbito dos Programas de Pós-Graduação (PPG). À primeira vista, a intenção até pode parecer positiva. No entanto, revela uma compreensão limitada em relação à complexidade e à diversidade do cenário acadêmico nacional.
O pedido, que se baseia em uma visão simplista do que significa “impacto” em termos acadêmicos, parte de interpretações que desvalorizam a produção acadêmica nacional, produzida em língua portuguesa, a partir dos problemas do povo brasileiro, desmerecendo também as ciências humanas e sociais, que desempenham papel central na compreensão de questões sociais, culturais e históricas, essenciais para a construção de um país mais justo e bem informado. E como pensar em produzir uma ciência comprometida com a realidade brasileira, mas que será avaliada prioritariamente por indicadores internacionais?
Sugerindo que a avaliação dos Programas de Pós-Graduação leve em consideração apenas a publicação de artigos em periódicos internacionais ranqueados na plataforma Web of Science, o parlamentar pretende relegar a métrica da avaliação da ciência brasileira a publicações em língua inglesa em sistemas de periódicos controlados por grandes empresas americanas e europeias, que privilegiam autores de instituições do Norte Global.
A proposta segue ainda com outras sugestões irreais, como exigir que um “docente possua perfil de produção equivalente à de um pesquisador de produtividade do CNPq” para que possa se credenciar em um PPG; convidar pesquisadores de países da OCDE para realização de estágios de pós-doutorado no país, exigindo como contrapartida a publicação de artigos em coautoria com estudantes locais; estabelecer como critério para a obtenção dos títulos de mestre e doutor a necessidade de publicação em periódico internacional. Além disso, seminários, aulas e defesas em inglês e transmitidas pela internet. Internacionalismo ou neocolonialismo?
Aprovado, o requerimento gerou repercussão negativa por parte de associações de pesquisadores, professores e pós-graduandos, uma vez que representa uma ameaça aos programas que desenvolvem pesquisas locais e regionais e pretende colocar a titulação dos pesquisadores brasileiros à mercê de banca internacional, externa às instituições e sem compromisso com o desenvolvimento científico nacional, especialmente no interior do país.
O Brasil já enfrenta desafios significativos no campo da pesquisa e da inovação, como a falta de investimentos consistentes e cortes orçamentários que afetam diretamente a produção científica e de inovação tecnológica. A solução para esses problemas não está em impor uma visão restritiva e neocolonial do que constitui uma pesquisa de impacto, mas em fomentar um ambiente que incentive a diversidade de abordagens e seus diferentes tipos de impacto — científico, social, ambiental, cultural ou econômico.
A colaboração internacional é sim fundamental, mas não somente com a OCDE: urgente é ampliar nossa cooperação com os países do Sul Global e do BRICS. Mais que disputar posições no ranking da Web of Science, é fundamental conectar cada vez mais a pesquisa e a ciência às questões estratégicas do desenvolvimento nacional, com soberania, sustentabilidade e atenção aos problemas reais do povo brasileiro.
Infelizmente, o Governo Lula também tem sido falho e incapaz de recompor orçamentos estratégicos de pesquisa, ciência e tecnologia, e de reconstruir nossa infraestrutura de laboratórios e fábricas públicas. Definir e implementar estratégias eficazes para a ciência brasileira é decisivo também para impedir que a visão simplista, enviesada e neocolonial prospere. Ou deixaremos que negacionistas pautem o que é nossa tarefa?
LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.