Após lutar mais de dois anos, a bióloga brasileira Anna Xavier pode cantar vitória. Mas qual vitória? Ela pagou preço alto por disputar a autoria de um artigo revolucionário na revista Science, terminando por abandonar a carreira científica.
O trabalho saiu em janeiro de 2023 nesse periódico dos mais prestigiados em ciências naturais. Tratava da descoberta de uma quarta membrana envolvendo o cérebro, batizada Slym, além das conhecidas dura-máter, aracnoide e pia-máter.
Xavier viu seu nome excluído da lista de autores, como noticiou a Folha, mesmo tendo realizado ensaios que levaram à detecção da Slym. Agora o Comitê de Práticas da Universidade de Copenhague reconheceu que ela foi prejudicada por sua chefe na época, Maiken Nedergaard.
“O Comitê de Práticas constata que [Nedergaard] mostrou práticas de pesquisa questionáveis ao não creditar Anna Xavier por seu trabalho no artigo ‘A mesothelium divides the subarachnoid space into functional compartments’, Science 379, 84-88 (2023)”, escreveu Peter Sandoc, presidente da comissão, em carta a Nedergaard de 9 de outubro.
Em sua queixa, Xavier argumentava que deveria dividir a primeira autoria do artigo só com Kjeld Mollgard, ex-reitor com quem havia colaborado diretamente na descoberta. Recusou a proposta de dividi-la com outros três autores, que não teriam desempenhado papel central no início do experimento, de 2017 a 2021.
A segunda hipótese só seria aceitável, ponderava, se seu nome aparecesse antes dos outros, mas isso foi recusado. Diante do impasse, em novembro de 2022 um órgão da universidade decidiu que caberia a Nedergaard decidir sobre a autoria.
No mês seguinte, o artigo já sem o nome de Xavier foi aceito pela Science. A brasileira só ficou sabendo por terceiros da aceitação e de sua exclusão —um “absurdo”, na avaliação do coautor e também brasileiro Leo Myiakoshi, que no entanto avaliou ter faltado flexibilidade à colega.
Em meio à negociação, Nedergaard chegou a argumentar que dados de Xavier haviam sido excluídos da pesquisa publicada por serem questionáveis. Contudo, assinalou o comitê, a chefe nunca apresentou acusação formal de fraude contra a brasileira.
O comitê fundamentou sua decisão contra Nedergaard, ainda, no fato de a líder do laboratório ter excluído a subordinada, sem avisá-la, quando o artigo já estava submetido à Science. Criticou, ainda, que a contribuição de Xavier não tenha sido registrada nem mesmo na seção de reconhecimentos (“acknowledgements”).
A decisão não tem, por ora, efeito prático. “Agora estou estudando as possibilidades no campo jurídico junto à advogada do sindicato, com aconselhamento de uma entidade que supervisiona a pesquisa científica aqui na Dinamarca, UBVA”, informa Xavier.
A brasileira deixou a universidade e hoje trabalha com controle de qualidade numa empresa dinamarquesa de energia, utilizando métodos como ultrassonografia e calorimetria. Nada, porém, relacionado com sua especialidade em biologia.
“Não me ressinto por ter deixado a academia, mas sim pela necessidade de deixar a pesquisa científica por não haver um ambiente saudável para desenvolvê-la.”
Confira a íntegra do posicionamento enviado por Maiken Nedergaard à Folha:
O Comitê de Práticas recomendou dar crédito a Anna Xavier pelos dados que escolhemos não usar.
Tínhamos sérias dúvidas sobre a confiabilidade dos dados e tentamos repetidamente, sem sucesso, reproduzir os resultados. Anna Xavier se recusou a fornecer uma explicação para os dados em questão, o que nos levou a enviar um relatório ao Comitê de Má Conduta em Pesquisa.
Como pesquisadores, a integridade científica é nossa maior prioridade, e não podemos seguir a recomendação do Comitê de Práticas. Portanto, optamos por não agradecer a Anna Xavier pelos dados, que ela se recusou a explicar por mais de dois anos.
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