Estados e executivos do Nordeste têm tentado atrair data centers para a região sob a justificativa de que é lá onde estão os principais projetos de energia renovável do país. Mas até agora a maior parte das empresas de tecnologia no Brasil optou por se instalar no Sudeste, fechando contratos com donos de parques e usinas de estados nordestinos apenas para o suprimento de eletricidade.
Uma das atrações do Nordeste, argumentam os estados, seria a enorme disponibilidade para a construção de novos projetos de energia renovável, já que as big techs geralmente exigem que a eletricidade que alimenta seus data centers venha de parques novos.
Mais distantes dos grandes centros de consumo e com dificuldades na rede de transmissão, porém, a região tem virado apenas fornecedora de energia limpa para esses data centers.
As grandes empresas de tecnologia colocam, antes de qualquer impacto social, suas estratégias comerciais, dizem executivos do setor ouvidos pela Folha. Por isso, não se importam de arcar com custos de transmissão do Nordeste ao Sudeste.
Inteligência artificial é um serviço caro e os clientes corporativos mais dispostos a investir na tecnologia estão no eixo Rio-São Paulo, aponta o vice-presidente de vendas da empresa de data centers Ascenty, Marcos Siqueira. Instalar as máquinas próximo aos clientes diminui a latência —tempo de espera entre o pedido e a resposta— do serviço, otimizando a experiência do consumidor.
Esses dois estados também têm mão de obra especializada à disposição, porque concentram o maior número de plantas no país. Por isso, as empresas têm mais segurança ao investirem nesses locais.
“Uma vez que isso começa a ganhar uma escala muito boa, de volume de negócios, as big techs começam a segmentar isso para outras regiões e para outros países”, afirma Siqueira, que também compõe o conselhor da Associação Brasileira de Data Centers.
A Microsoft e a Amazon, por exemplo, investiram na construção dos próprios parques de energia eólica no Rio Grande do Norte. A primeira em parceria com a AES Brasil, e a segunda com a Regera. Ambas as empresas, porém, concentraram seus investimentos em São Paulo, embora não revelem o exato local dos data centers por questão de segurança da informação.
“Muitos parques eólicos estão localizados em áreas remotas, o que traz limitações logísticas, além de uma lista extensa de requisitos”, disse a presidente da Microsoft no Brasil, Tania Cosentino. Ela sinalizou que a big tech deve continuar investindo na própria geração à medida que o consumo local aumente.
A Casa dos Ventos é uma das empresas que quer mudar esse cenário. A gigante do setor de energia eólica negocia com companhias de tecnologia a ida de data centers de inteligência artificial para o Nordeste, especialmente para o Ceará, estado onde a empresa nasceu e que hoje abriga grande parte dos cabos submarinos de internet do país.
Lucas Araripe, diretor-executivo da Casa dos Ventos, tem tentado convencer executivos do setor de tecnologia a instalarem seus data centers de inteligência artifical dentro de parques eólicos do Nordeste, o que garantiria a essas empresas descontos nas tarifas de transmissão e no pagamento de ICMS.
Nesse caso, os data centers precisariam também estar conectados à rede nacional para garantir o suprimento de energia em períodos de baixa geração eólica. A inclusão de de baterias nos parques também ajudaria.
Outra opção, aponta, seria instalar data centers em portos ou em ZPEs (Zonas de Processamento de Exportação), áreas indústrias voltadas à exportação e importação submetidas a um regime fiscal específico. A ideia é que esses data centers tratem os dados de consumidores de outros países, como se fosse importação e exportação de serviço –essa alternativa ainda precisa ser regulamentada.
“Do ponto de vista energético, a gente é competitivo, mas acho que talvez em tributação e segurança jurídica, o Brasil deveria ser mais facilitador”, diz Araripe.
Mas a ida de data centers adaptados para IA ao Nordeste também esbarra na capacidade de transmissão de energia dentro da região. Cada uma dessas estruturas consome entre 150 MW (megawatts) e 500 MW, o que exigiria um protocolo específico do Ministério de Minas e Energia para obter acesso à rede.
Segundo a EPE (Empresa de Pesquisa Energética), projetos de data centers já protocolaram intenção de captar 3,5 GW (gigawatts) até 2037 em todo o país, sendo a grande maioria em São Paulo. Em comparação, a carga máxima de energia do Nordeste é de 16 GW.
Até por isso, autoridades do Nordeste têm pressionado autoridades do governo federal a chamar novos leilões de transmissão para a região. A ideia é conciliar o interesse de atrair data centers com a chegada de plantas de hidrogênio verde aos estados nordestinos –que exigem ainda mais energia.
“Todos os cabos submarinos que chegam ao Brasil chegam através de Fortaleza. Por isso faz sentido termos um hub de data centers, já que a latência é muito baixa. Pode-se processar o dado aqui e voltar para o cliente muito rapidamente, seja no Brasil, Europa, EUA, África, onde ele estiver”, diz Hugo Figueiredo, presidente do complexo portuário e industrial do Pecém, que também é uma ZPE. Ele estima que o Ceará tenha uma folga em suas linhas de transmissão de no máximo 3 GW.
A EPE prepara hoje um estudo sobre o tema. Esse levantamento ponderará quais projetos passam de meras intenções e dimensionará a expansão necessária do sistema. A partir daí, serão organizados licitações e leilões.
“É fundamental planejar essas ampliações com cuidado, pois a infraestrutura será paga por todos os usuários”, diz o superintendente de Transmissão de Energia da EPE, Thiago Dourado Martins. A avaliação da estatal deve ficar pronta em um ano. “A preocupação é evitar considerar projetos com baixa maturidade, o que poderia deixar a rede de transmissão ociosa.”
Enquanto isso, os data centers que chegam ao Brasil continuam preferindo se instalar no Sudeste.
A americana Atlas Renewable Energy, por exemplo, deve fechar nos próximos dias contrato com uma empresa de data centers que opera em capitais do Sudeste. A empresa de energia vai instalar placas solares em uma cidade do norte de Minas Gerais –uma das regiões mais pobres do estado– para alimentar as operações de um data center. A ideia é que 60% dos 120 MWm (megawatts-médio) gerados no empreendimento sejam adquiridos pela companhia de tecnologia.
Fábio Bortoluzo, diretor da Atlas no Brasil, diz que a empresa optou por instalar o projeto solar em Minas Gerais devido às características físicas da região e os custos de transmissão de energia, menores do que os do Nordeste, onde as redes estão estressadas com a crescente geração de energia. “A qualidade da rede é um critério fundamental para um bom serviço de data center”, diz.