Incentivar um filho a ler está difícil para todo mundo, até para mim que sou escritora e respiro celulose. A verdade é que estamos (quase) todos lendo menos do que gostaríamos. Nós porque tivemos nosso tempo furtado pela carga de trabalho e pelas demandas do WhatsApp e das redes. Nossos filhos porque são nativos digitais e já nasceram com a tela na frente do rosto.
Desistir? Jamais. A leitura traz benefícios demais para ser abandonada feito um brinquedo velho. E, acima de tudo, traz prazer, esse item tão revolucionário em um mundo que tenta nos transformar em parafusos para seguir avançando rumo ao próprio fim.
Abaixo listo algumas dicas que nada têm de infalíveis. A leitura é demasiado humana, a relação de cada pessoa com os livros é única, portanto dois mais dois podem não ser quatro, e nem todos nasceram para ser leitores ávidos, mas há sim algumas iniciativas que podem ajudar, testadas com algum sucesso aqui debaixo do meu telhado.
Primeiro, é preciso criar espaço para a leitura. Entre o celular e o livro, quase todos preferem o primeiro. É pedir demais para uma criança ou adolescente ler quando ele tem tantos sons, imagens e estímulos na mão, além de um algoritmo programado para reter a sua atenção. Portanto, coragem. Lembre-se que quem manda na casa (ainda) é você e tente estabelecer horários sem tela. Aqui não usamos à noite. Nem sempre minha filha lê, às vezes prefere desenhar ou mesmo assistir às unhas crescerem, mas com frequência acaba enfiando o nariz em algum livro ou gibi.
Não dê o peixe, ensine a pescar na prateleira. Visitar bibliotecas e livrarias também é parte do prazer. Escolher os próprios livros dá um gostinho de autonomia e liberdade para o pequeno sujeito. Além disso, aumenta as chances de acerto, já que ele sabe melhor do que ninguém o que vai gostar de devorar.
Livro não combina com gongo. Ficar dizendo “você tem que ler este e não este” só afasta o par de olhos das páginas. Deixe a escola suar pelos clássicos, pelas leituras obrigatórias. Em casa é curtição, e vale tudo. Como sempre digo por aí, quem começa com horóscopo pode ir para astrologia, astronomia, e tudo isso ainda pode acabar em Dom Casmurro.
Tente conversar sobre a leitura. Aqui falamos de alguns personagens como se fossem parentes: e daí, deu tudo certo com o Harry e a Hermione?
Não pague para seu filho ler. Não sei quem teve essa ideia tão triste, mas sei que se espalhou. Ao monetizar a leitura, passamos a ideia de que ler é um sacrifício a ser recompensado. Pode funcionar de isca, mas, em geral, a fisgada não dura mais que um ou dois livros. E ainda deixa um gosto amargo na carteira.
Agora vem a parte mais difícil mas também a mais redentora. Sabe aquela frase do inglês, “be the change you want” (seja a mudança que você quer)? Eu também tenho em mim uma criança que está lendo menos do que gostaria. Além de dar o exemplo para a minha filha, quero dar para mim mais algumas horinhas para desafiar a Sociedade do Cansaço, para segurar um livro como um escudo contra as demandas excessivas, contra o imediatismo e a platitude de certos posts, de certas palavras de ordem.
E até de certas regras prontas, como as deste texto, que sempre podem ser subvertidas e reescritas, especialmente por quem lê.
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