Está parado no Congresso o projeto de lei 3819/24 enviado pelo governo para criar uma empresa estatal aeroespacial, batizada de Alada. O que não vem escrito no projeto é que o Brasil não precisa dela.
Isso, naturalmente, não se confunde com a importância de ter um programa espacial de respeito –coisa que, infelizmente, no momento, não temos. Basta fazer o contraste com outras nações em desenvolvimento, em particular China e Índia, que um dia estiveram mais ou menos em pé de igualdade com o Brasil no setor. Hoje, têm vários lançadores, projetos ambiciosos do uso da órbita terrestre e missões à Lua e a Marte. Nós seguimos sem lançador e temos ambições orbitais modestas, que se tornam ainda mais rarefeitas no espaço interplanetário.
Em contraste com isso, vemos todos os dias a importância de ter uma infraestrutura espacial robusta –veja como lidamos de forma precária com arroubos autoritários vindos de quem domina esse segmento (sim, Elon, estou falando com você).
Dizem os defensores do projeto no Ministério da Defesa que a Alada será um alavancador desse processo, travado há décadas. Infelizmente, é falacioso. Ela terá tanto potencial quando teve outra estatal criada em 2006, a Alcantara Cyclone Space. Era uma joint-venture com a Ucrânia para desenvolver e lançar o foguete Cyclone-4, derivado de tecnologia herdada pela Ucrânia com o fim da União Soviética, a partir do Centro de Lançamento de Alcântara, no Maranhão.
Tornou-se um ralo de dinheiro público por praticamente uma década, até o projeto ser encerrado em 2015. A empresa mesmo só foi fechada em 2018, depois de dar um prejuízo de meio bilhão aos cofres da viúva. Não teve foguete, não teve lançamento, não teve plataforma.
Na forma como está proposta hoje, a Alada será subsidiária da NAV Brasil, que hoje cuida dos serviços de navegação aérea antes responsabilidade da Infraero. Diz o governo que a empresa poderá proporcionar autossuficiência do Brasil em materiais aeronáuticos, espaciais e bélicos. Na boa, faz-me rir.
É uma versão ligeiramente mais estatal, e agora voltada ao segmento militar, da iniciativa de criar, em 2012, a Visiona, empresa integradora de sistemas espaciais “quase estatal” –51% da Embraer e 49% da Telebras. A Visiona ao menos tinha um grande projeto para começar, o Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas (SGDC), contratado a peso de ouro (US$ 800 milhões) da europeia Thales Alenia. Ele foi lançado em 2017. Está operando. E a Visiona segue desenvolvendo projetos, mas bem mais modestos, só para dizer que está lá.
A Alada vem apenas para somar a esse modelo de ineficiência. Não precisamos dela. Melhor seria reforçar orçamentos e planos gestados pela AEB (Agência Espacial Brasileira) e pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), gerando demanda para o complexo industrial que já existe no Brasil –vá ver a situação atual da Avibras, que deveria estar construindo o nosso VLM-1 (Veículo Lançador de Microssatélite), mas em vez disso está em estado falimentar e quase foi adquirida por um empresa australiana por esses dias.
A Alada é um lobby dos militares e propicia a criação de mais uma empresa estatal –duas proposições que certamente seduzem o atual governo. O risco é enorme de ser mais um desses ralos de dinheiro que depois temos enorme dificuldade em tampar nos cofres públicos.
Esta coluna é publicada às segundas-feiras na versão impressa, em Ciência.
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