Durante a carreira de mais de 40 anos de Jackie Peeler gerenciando bichos assustadores em zoológicos e museus, ela viu as pessoas reagirem de formas extremas às tarântulas: elas as amam e as temem em igual medida.
Com seus oito olhinhos brilhantes e membros peludos ostentando garras retráteis, as tarântulas são criaturas fascinantes.
Cerca de 25 anos atrás, Peeler costumava comandar um programa de zoológico móvel onde ela transportava tarântulas para lugares como festivais ao ar livre e shoppings. Ela as tirava de suas transportadoras e as exibia para multidões fascinadas.
“Se cria conexão poderosa quando as pessoas podem ver algo que nunca veriam na natureza”, diz Peeler, agora gerente do centro de cuidados com animais no Museu de Ciências de Boston.
“Invertebrados e insetos podem ser uma dessas coisas pelas quais as pessoas, mesmo quando estão aterrorizadas, ainda ficam fascinadas.”
Peeler não aceita mais exibir tarântulas dessa forma–elas deveriam ter a liberdade de se esconder das multidões se quisessem–mas mesmo quando no centro das atenções, essas criaturas incomuns chamam a atenção.
Com esse magnetismo, surge um problema grave: entusiastas estão impulsionando tráfico de tarântulas em todo o mundo.
Aracnofilia
“Tarântulas são animais carismáticos”, diz Chris Hamilton, professor assistente no departamento de entomologia, patologia vegetal e nematologia da Universidade de Idaho. “E isso é ótimo, porque podemos usá-las para educar o público.”
Hamilton acredita que o “hobby da tarântula” começou a ganhar força na década de 2000. Hoje, pesquisadores veem regularmente entusiastas ostentando coleções de mais de 100 espécies em fóruns online.
“[Esses] fóruns mostram que as pessoas colecionam aranhas um pouco como colecionam Pokémon–elas querem ‘pegar’ todas elas”, diz Alice Hughes, professora associada de biologia na Universidade de Hong Kong. É uma analogia precisa, considerando quantas cores e padrões diferentes as tarântulas podem ter.
Não é de surpreender que o tráfico de tarântulas tenha se tornado um “produto” constante na indústria multimilionária de comércio ilegal de vida selvagem.
Colecionadores de animais mortos
Com as mudanças climáticas e a destruição do habitat, a caça ilegal de tarântulas pode ameaçar algumas espécies a ponto de extinção antes que os cientistas tenham a chance de estudá-las.
“As tarântulas são especialmente vulneráveis à caça ilegal porque vivem muito–algumas chegam a 30 anos–e as fêmeas se reproduzem tarde e com pouca frequência”, diz Hamilton.
“Isso é muito ruim para sua habilidade de suportar perturbações humanas (destruição do habitat, coleta de animais para estimação ou mudanças climáticas) devido ao tempo que leva para regenerar populações.”
Ele enfatiza que várias espécies de tarântulas com alcance restrito (endêmicas de certas áreas) – como algumas do gênero Poecilotheria, nativas da Índia e do Sri Lanka–também são “altamente suscetíveis à extinção”.
Manter tarântulas como animais de estimação, no entanto, não parece ser o que está impulsionando o mercado comercial atualmente.
Cerca de 43% das espécies de tarântula são comercializadas como souvenirs (para montagem e enquadramento do animal morto), como ferramentas de pesquisa e para medicina, de acordo com um estudo. O mercado de souvenirs parece estar crescendo mais rápido.
A caça ilegal de animais selvagens cresceu exponencialmente nas décadas de 1970 e 1980. Na mesma época, manter tarântulas como animais de estimação se tornou popular. À medida que a demanda aumentava, o mesmo acontecia com a criação em cativeiro e o mercado comercial legal.
No entanto, Peeler acredita que o mercado ilegal de tarântulas cresceu mais rápido, pois fazer tudo abertamente leva tempo e dinheiro e envolve a aquisição de licenças. E disparou com o advento da internet: de repente, ficou muito mais fácil para comerciantes e fãs de tarântulas se encontrarem.
Existem maneiras aparentemente infinitas de transportar os pequenos invertebrados, tornando a regulamentação do mercado comercial um esforço complexo e potencialmente insustentável.
Em 2010, um alemão enviou centenas de filhotes de tarântulas embalados em canudos multicoloridos pelo Serviço Postal dos EUA. Em dezembro de 2021, autoridades colombianas no aeroporto El Dorado detiveram duas pessoas que tentavam contrabandear mais de 230 tarântulas para a Europa em uma mala.
Hughes diz que a outra razão pela qual a regulamentação do comércio de tarântulas é desafiadora é a falta de dados existentes (ecologia, distribuição e tendências populacionais) sobre os animais. Isso também dificulta a avaliação do impacto total do comércio ilegal nas espécies. Existem pelo menos mil espécies conhecidas de tarântulas no mundo hoje, e muitas outras ainda não foram catalogadas ou foram catalogadas incorretamente pelos comerciantes.
Apenas espécies listadas na Cites (Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas de Fauna e Flora Selvagens) são rastreadas, “mas elas representam apenas uma fração muito pequena das espécies de tarântulas no comércio”, diz Carol Fukushima, uma taxonomista de tarântulas e pesquisadora do Bisons Lab na Universidade de Turku, na Finlândia.
“Muitas são vendidas e transportadas sem licenças ou registros por meio de métodos como ‘brownboxing’, quando os espécimes são enviados ilegalmente, rotulados incorretamente ou transportados como objetos para evitar a detecção”, ela diz.
Fukushima diz que também há discrepâncias prováveis na nomeação e identificação de espécies dentro do mercado ilegal, confundindo ainda mais o impacto real do comércio. “Veja o caso da Chilobrachys natanicharum, comercializado por anos como ‘Electric Blue Tarantula’, mas apenas descrito cientificamente em 2023”, ela explica.
Aracnofobia
Cientistas precisam de mais financiamento para melhorar a catalogação e o monitoramento de espécies, mas isso tem se mostrado difícil de conseguir.
Fukushima acredita que isso também pode estar relacionado às percepções das pessoas sobre aranhas.
“É sabido que a popularidade de uma espécie desempenha um papel significativo na atração de financiamento e no apoio à pesquisa e conservação”, diz Fukushima. “Infelizmente, aracnídeos e outros invertebrados geralmente não são vistos como carismáticos ou importantes pelo público”, afirma.
“Há uma percepção negativa generalizada dos aracnídeos, alimentada pela aracnofobia e pela falta de conscientização sobre os serviços ecossistêmicos cruciais que eles fornecem, que beneficiam o planeta e a humanidade.”
Como a maioria dos aracnídeos, as tarântulas se destacam no controle de populações de insetos, ao mesmo tempo, atuam como fonte de alimento para espécies maiores.
O enquadramento da mídia perpetua esses equívocos e sensacionalismo em torno das aranhas em geral, mostram as pesquisas.
“Com muita frequência a mídia retrata as aranhas negativamente e inclui vários erros sobre sua biologia, ecologia e comportamento”, diz Veronica Nanni, coautora de um relatório sobre o assunto e ecologista focada em mídia de massa, comunicação e conservação.
Especialistas concordam que reforçar as regulamentações do comércio de tarântulas seria um passo à frente na conservação e proteção de espécies de tarântulas, mas é uma batalha difícil.
Das mais de 1.000 espécies de tarântulas que existem, apenas cerca de 3% estão atualmente listadas como protegidas no Cites (o que significa que são monitoradas ativamente). A falta de dados oficiais sobre esses aracnídeos impossibilita determinar sua vulnerabilidade e desenvolver parâmetros de conservação correspondentes.
“Os Estados Unidos têm algumas regras bem fortes em vigor. Mas eles não vão capturar tudo que atravessa a fronteira”, diz Peeler. “Enquanto houver um mercado, sempre teremos comércio ilegal.”
Há um lado positivo no comércio não regulamentado de tarântulas; alguns especialistas acreditam que isso pode ajudar indiretamente a reforçar algumas populações devido à reprodução em cativeiro. Na verdade, a reprodução em cativeiro pode até mesmo ajudar a torná-lo mais bem regulamentado.
“[O comércio de tarântulas] deve ser regulamentado trabalhando com pesquisadores e pessoas do comércio de animais de estimação para estabelecer reservatórios genéticos que possam ser mantidos para o futuro – se algum deles se tornar altamente ameaçado ou mesmo extinto na natureza”, diz Hamilton.
Reprodução em cativeiro
Hughes concorda que a reprodução em cativeiro pode ser uma ferramenta de conservação útil, desde que seja monitorada adequadamente.
“Um paralelo é a diretiva de aves selvagens da UE, que reduziu drasticamente a importação de aves selvagens para a UE e substituiu amplamente essa indústria por uma dominada pela reprodução em cativeiro”, explica ela.
“Tal abordagem remove amplamente as pressões sobre as populações de origem e reduz drasticamente a probabilidade de transporte de doenças e patógenos.”
No entanto, a criação em cativeiro não é uma panaceia para o problema do comércio ilegal. Fukushima diz que a criação em cativeiro regulamentada e monitorada de forma inadequada pode indiretamente alimentar o comércio ilegal e insustentável. Para que a criação em cativeiro seja uma ferramenta de conservação genuinamente bem-sucedida, um sistema legítimo de monitoramento e rastreamento precisa estar em vigor desde o início e, mesmo assim, não é uma solução perfeita.
“O México criou programas bem-sucedidos de criação em cativeiro legal com tarântulas. No entanto, alguns criadores mexicanos dizem que mesmo esses esforços podem não ser suficientes para produzir espécimes de tarântulas mexicanas para atender à demanda do mercado”, diz Fukushima.
Ela aponta para a implementação de uma regulamentação comparável ao Lacey Act dos EUA, que proíbe a importação de espécimes que violem as leis de seu país de origem, em regiões como a União Europeia como uma maneira possível de reforçar as proteções para espécies negligenciadas como as tarântulas.
Temos um longo caminho a percorrer para proteger adequadamente as tarântulas em todo o mundo, mas os especialistas concordam que a jornada começa com a educação do público sobre as criaturas fascinantes que elas são e por que merecem respeito.
A esperança é que isso leve a mudanças comportamentais entre os colecionadores, encorajando-os a escolher métodos mais responsáveis e sustentáveis para obter tarântulas.
Se você é uma das muitas pessoas que se assustam com aranhas, Peeler viu em primeira mão o quão rápido isso pode mudar, dado o ambiente de aprendizagem certo. Um exemplo notável aconteceu no Museu de Ciências de Boston, onde ela conheceu um garotinho que tinha medo de aranhas, mas estava curioso sobre uma chamada Emily sentada do lado de fora de sua toca.
“Perguntei a ele por que ele estava com medo, e ele [continuou] falando sobre como elas são tão estranhas para ele. [Então] conversamos por cinco ou 10 minutos sobre a importância das aranhas e, quantos tipos diferentes de aranhas existem, e onde elas vivem no mundo. Nós conversamos sobre por que as tarântulas tinham pelos no corpo e o que as tornava diferentes. E ele ficou absolutamente surpreso”, ela diz.
O garotinho voltou ao museu várias vezes para dar uma olhada em Emily e certificar-se de que ela estava comendo bem.
Este texto foi publicado originalmente aqui.