“Hoje é o início de uma nova era. Hoje é o início do fim da impunidade. Marielle deixou um legado pra gente, que é um legado de coragem, de força, de luta”, disse Ana Paula Oliveira, fundadora do movimento Mães de Manguinhos, na noite de 31 de outubro de 2024, no centro do Rio de Janeiro, ao final do julgamento dos assassinos de Marielle Franco e Anderson Gomes.
O filho de Ana Paula, Jonatha, foi assassinado, aos 19 anos de idade, em 2014, por agentes de uma UPP (Unidade de Política Pacificadora).
Naquele mesmo ano, Marielle defendera seu mestrado na Universidade Federal Fluminense: “UPP – a redução da favela a três letras: uma análise da política de segurança pública do Estado do Rio de Janeiro”.
No capítulo chamado Violações e Homicídios, ela trata dos altos índices de letalidade violenta a que estavam expostos policiais e civis em áreas de UPP:
“As causas dessas mortes são as mais diversas, mas sempre com a utilização de armas de fogo e correlacionadas à presença das forças militares. São jovens, negros/pardos e moradores de favela. São características que reforçam as pesquisas estatísticas, mas, sobretudo, de jovens com histórias interrompidas, nomes e sobrenomes.”
Dentre os nomes de civis assassinados listados por Marielle está o de Jonatha de Oliveira Lima, de Manguinhos, o filho de Ana Paula.
No ato de 31 de outubro, ao lado de Ana Paula estava Bruna, mãe de Marcos Vinícius, assassinado no Complexo da Maré por um PM aos 14 anos de idade, de uniforme escolar, a caminho da aula, em julho de 2018. Quatro meses depois de Marielle ter sido ela mesma assassinada pelos ex-policiais militares Ronnie Lessa e Élcio Queiroz.
A motivação do assassinato de Marielle teria sido o incômodo da milícia com a liderança da vereadora na zona oeste do Rio, organizando com moradores a resistência ao loteamento ilegal de terrenos no bairro do Tanque.
Disputa agrária e ambiental, mas também do protagonismo político exercido por uma mulher negra bissexual de esquerda. Homens treinados pelo Estado brasileiro, contratados pelo crime organizado, para tirar uma pedra do caminho, nos termos de Ronnie Lessa.
Durante os dois dias de júri, lembrei da delação premiada de Élcio Queiroz, de julho de 2023. Ao narrar que Lessa chegou a cogitar disparar em Marielle na frente da Casa das Pretas, onde ela havia participado de um debate naquele 14 de março, Queiroz explicitou: “(…) as pessoas ali que frequentavam eram muito parecidas”.
Um dos assassinos confessos, condenado a 59 anos de prisão, multa, pensão ao filho de Anderson até os 24 anos de idade e indenização por danos morais, verbalizou a dimensão coletiva expressa no corpo e na luta de Marielle, sentida por cada uma de nós.
A dor da saudade, da perda por morte violenta, da violência brutal, de não ter mais Marielle na vida pública é irreparável. Mas a condenação de Lessa a 78 anos de prisão, multa, pensão e indenização, além da condenação de Queiroz, é importante.
Sete homens de pele clara e meia-idade, que compuseram o júri popular, decidiram, em nome do povo brasileiro, que os assassinos confessos de Marielle e Anderson não se beneficiariam da impunidade.
As mães de vítimas da violência do Estado, que abraçavam dona Marinete, mãe de Marielle, decretaram que uma nova era foi inaugurada a partir deste julgamento.
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