O descarte inadequado dos resíduos sólidos urbanos comuns já causa danos ao meio ambiente e à saúde, mas existem outros resíduos que são ainda mais nocivos. Chamados de resíduos perigosos, eles foram definidos pela lei brasileira como todos aqueles inflamáveis, corrosivos, reativos, tóxicos ou capazes de provocar doenças e malformações.
Precisam, portanto, de descarte e tratamento específicos, como determina a PNRS (Política Nacional de Resíduos Sólidos), de 2010. E os sistemas de coleta desses materiais têm de ser estruturados pelas empresas que comercializam os produtos, o que é chamado de logística reversa.
Resíduos perigosos englobam medicamentos, pilhas, baterias, pneus, óleos lubrificantes e seus recipientes, agrotóxicos e suas embalagens, lâmpadas fluorescentes, lâmpadas de vapor de sódio e mercúrio e lâmpadas de luz mista, além de produtos eletroeletrônicos, assim como suas partes e componentes. Nesta segunda-feira (14), é celebrado o Dia Mundial do Lixo Eletrônico.
Pesquisa Datafolha realizada em junho apontou que mais da metade (51%) dos brasileiros afirmam descartar resíduos considerados perigosos no lixo comum ou no lixo reciclável, o que potencializa o risco de danos.
Esses resíduos precisam ser levados até ecopontos públicos ou PEVs (pontos de entrega voluntária) específicos para cada tipo. O problema, no entanto, é maior: faltam informações sobre o descarte de alguns desses produtos e a capilaridade da infraestrutura de coleta e reciclagem também deixa a desejar em muitas áreas.
“Produtos que estão sujeitos a logística reversa dependem do engajamento do cidadão. Se eu tenho uma lâmpada fluorescente, ela queimar e eu a jogar no meu cesto de lixo, que é o que a grande maioria faz, esse resíduo nunca vai entrar no sistema de logística reversa do setor”, explica Carlos da Silva Filho, presidente da Associação Internacional de Resíduos Sólidos (ISWA, na sigla em inglês).
“Não é má vontade, mas desconhecimento mesmo. A grande questão é como informar e engajar o cidadão”, avalia ele, que é consultor da ONU (Organização das Nações Unidas).
Ao Datafolha, 43% dos brasileiros afirmaram levar resíduos como pilhas, eletroeletrônicos e remédios até pontos de entrega voluntários.
Consulte nos links os PEVs de cada resíduo em todo o país.
“Ainda existe muito desconhecimento sobre o tema”, constata Ademir Brescansin, gerente executivo da Green Eletron, entidade gestora de pilhas e baterias e de resíduos eletroeletrônicos. Ele destaca que, na pesquisa “Resíduos Eletrônicos no Brasil 2023”, realizada pelo setor, 85% dos entrevistados disseram guardar algum tipo de lixo eletrônico em casa.
A entidade sem fins lucrativos ajuda os fabricantes e importadores desses produtos a cumprir a obrigação legal de realizar a logística reversa dos resíduos. No caso dos eletroeletrônicos, ela o faz junto a outra entidade do tipo, a Abree (Associação Brasileira de Reciclagem de Eletroeletrônicos e Eletrodomésticos).
“Juntas, as entidades reúnem 130 empresas de um mercado onde atuam 5.000 empresas, entre fabricantes e importadores”, explica Brescansin. “O que todas as outras empresas estão fazendo quanto a esta obrigação legal não sabemos”, afirma, evocando a falta de fiscalização do setor.
Brescansin destaca que essa falta de adesão gera desequilíbrios no mercado, uma vez que a logística reversa é um processo caro.
Para Helen Brito, gerente de relações institucionais da Abree, essa falta de adesão de empresas e importadores às entidades gestoras é o principal gargalo da destinação correta de resíduos eletroeletrônicos no país.
Outros gargalos seriam a falta da cultura de descarte correto pelo consumidor e a falta de engajamento de varejistas, que deveriam comunicar ao consumidor sobre o descarte dos produtos e receber aqueles descartados, instalando um PEV em sua loja.
A maior recicladora de pilhas e baterias do Brasil, a Nexa, por exemplo, estima que apenas 5% desses materiais utilizados no país sejam descartadas de forma correta.
Além disso, a extensão territorial do Brasil, diz Brito, cria grandes dificuldades logísticas. “Para retirar uma geladeira descartada em Manaus, por exemplo, é preciso enviá-la, via cabotagem, para Belém e, de lá, ela vem para São Paulo, porque não existem empresas aptas e licenciadas para trabalhar com manufatura reversa desses produtos em boa parte do país.”
A multinacional brasileira Ambipar faz a operação de logística reversa de eletrônicos e ampliou sua unidade de São José dos Campos (SP), que passará a processar quase três vezes o montante de lixo eletrônico atual, chegando a 80 mil toneladas por ano de capacidade.
Segundo a ONU, a produção de lixo eletrônico global está aumentando cinco vezes mais rápido do que o previsto e bateu, em 2022, 62 milhões de toneladas —o equivalente a 1,5 milhão de caminhões de 40 toneladas de lixo.
No mesmo ano, foram reciclados cerca de 22% desses resíduos, percentual que deve cair para 20% nos próximos anos devido, ao aumento do descarte de lixo eletrônico no mundo. Isso ocorre não só pelo aumento da produção de equipamentos, mas também pela redução em seu conserto e pela obsolescência programada de alguns deles.
Lubrificantes e agrotóxicos
Produtos que são adquiridos e instalados em estabelecimentos que já retêm os resíduos pós-consumo levam vantagem nesse processo. É o caso de pneus e óleos lubrificantes.
Em dezembro de 2023, portaria dos ministérios do Meio Ambiente e de Minas e Energia estipulou metas nacionais e regionais de logística reversa para o setor de lubrificantes, que chegará a 50% do que foi inserido no mercado naquele ano.
Segundo a Associação dos Produtores e Importadores de Lubrificantes (Simepetro), o óleo usado é refinado novamente, convertido em óleo básico e reinserido na produção. As embalagens também dão origem a novos invólucros para óleos, o que gera circularidades desses materiais.
Entre os resíduos perigosos, o setor que tem sistema de logística reversa mais antigo e estabelecido é o de agrotóxicos e suas embalagens.
Gerido pelo Instituto Nacional de Processamento de Embalagens Vazias (inpEV), financiado pela indústria de agroquímicos e implementado há 22 anos, o sistema tem rastreamento das embalagens e consegue transformá-las, via reciclagem, em novas embalagens para agroquímicos ou ainda em conduítes e materiais para a construção civil —há 38 materiais homologados e testados quanto à toxicidade.
Ao retornar a embalagem nos PEVs, o agricultor ganha um recibo para comprovar à fiscalização que destinou adequadamente esses resíduos. E, segundo Marcelo Okamura, presidente do inpEV, o sistema ganhou eficiência tal que mais de 95% das embalagens de agroquímicos do país são hoje recicladas.
Ao longo de 20 anos, diz, foram investidos R$ 2 bilhões no modelo, que se tornou referência em logística reversa. Para ele, “se nós conseguimos fazer a logística reversa de agroquímicos é porque muitos outros setores têm a capacidade de fazer também”.