Pequenas mudanças num “interruptor” do DNA podem explicar grande parte da diversidade estonteante de cores na plumagem de papagaios, araras, periquitos e companhia. A alteração interfere no equilíbrio entre pigmentos nas penas dos bichos, revela um estudo feito por cientistas de Portugal.
A pesquisa, publicada na última sexta-feira (31) na revista Science, estudou as chamadas psitacofulvinas, “tinturas” naturais das penas desse grupo de aves, o dos psitaciformes (ambos os nomes vêm do termo grego “psittakôs”, com o significado de “papagaio”).
As psitacofulvinas são responsáveis pelo espectro de coloração que inclui os tons de amarelo, alaranjado e vermelho. Também são importantes para as penas verdes dos animais do grupo, por meio da interação com tons azuis da plumagem (os quais não são criados por meio de pigmentos, mas sim por mudanças na estrutura microscópica das penas).
A equipe de Portugal, liderada por Miguel Carneiro, do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos da Universidade do Porto, usou uma série de análises químicas refinadas, capazes de medir a composição das penas quase molécula a molécula, para entender as diferenças entre os tipos de psitacofulvinas.
Para isso, eles usaram amostras da plumagem de uma gama bastante ampla de espécies do grupo, dos periquitos-australianos e calopsita, populares no mercado de animais de estimação, à araracanga ou arara-vermelha-pequena (Ara macao), nativa de toda a região Norte do Brasil.
Esse primeiro passo do estudo foi suficiente para demonstrar que, no espectro de cores que vai do vermelho, numa ponta, ao amarelo (e verde), na outra, existe uma correlação forte entre dois tipos diferentes da porção final das moléculas de pigmento.
As penas vermelhas carregam grande quantidade de psicatofulvinas que terminam num aldeído (uma molécula orgânica que é caracterizada por um átomo de carbono com ligação dupla de um átomo de oxigênio e um átomo de hidrogênio). Já as amarelas e verdes têm maior quantidade de psicatofulvinas que terminam numa carboxila (que tem a mesma ligação dupla de oxigênio e, no lugar do hidrogênio “solitário”, outro átomo de oxigênio ligado ao hidrogênio).
A diferença, do ponto de vista bioquímico, parecia estar clara. O próximo passo da equipe da Universidade do Porto foi tentar as bases genéticas dessa variabilidade. Para isso eles decidiram usar como modelo o papagaio Pseudeos fuscata, uma espécie da Nova Guiné que possui duas variedades naturais, uma amarela e outra vermelha, o que talvez ajudasse a identificar pistas mais claras para resolver o mistério.
Foi assim que eles identificaram uma variação numa única “letra” química do DNA que parecia estar associada ao código para a fabricação de uma molécula associada à produção de aldeídos ou carboxilas. Para ser mais exato, essa molécula, em grandes quantidades, coordena a transformação de aldeídos em carboxilas –ou seja, poderia levar à transformação de penas vermelhas em penas amarelas ou verdes.
Uma série de outros testes, incluindo também outra espécie do grupo, mostraram que é isso mesmo o que acontece: a presença da molécula aumenta justamente no processo de especialização das células produtoras de pigmento quando as penas estão se formando. E a variação no DNA afetaria justamente como um interruptor, modulando a produção da molécula.
Os pesquisadores propõem que a simplicidade dessa alteração no DNA e os efeitos consideráveis que ela provoca poderiam explicar como o grupo dos papagaios e araras conseguiu produzir uma variedade tão grande de coloridos ao longo de sua trajetória evolutiva.