País mais biodiverso do mundo, o Brasil chega à COP16, a convenção da biodiversidade da ONU, sem submeter suas metas e seu plano nacional de ação para lidar com a crise que ameaça espécies e ecossistemas.
A chamada Epanb (Estratégia e Plano de Ação Nacional para a Biodiversidade) do Brasil vem sendo construída com participação de ministérios e da sociedade civil e já está praticamente finalizada, mas não foi aprovada a tempo do encontro.
A demora na submissão das metas foi considerado um sinal negativo para ambientalistas, sobretudo em um contexto em que o Brasil deseja se firmar como uma potência ambiental, além de ser sede da COP30 (convenção do clima da ONU), em Belém, em 2025.
“Os países tiveram dois anos, após a aprovação dos objetivos globais, para internalizarem essas metas para o seus ambientes domésticos. Nós passamos dois anos discutindo com o governo, mas chegamos às vésperas da COP16 com uma sensação de frustração de não ter cumprido este compromisso [de apresentar a Epanb], este dever de casa”, disse Michel Santos, gerente de políticas públicas do WWF-Brasil, que vem acompanhando de perto as negociações.
Embora o documento não esteja finalizado, o governo brasileiro vem se esforçando para dar peso político à COP16, inclusive com uma possível participação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na reta final da cúpula, que acontece de 21 de outubro a 1º de novembro em Cali, na Colômbia.
A secretária de biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Rita Mesquita, minimizou a não submissão do plano brasileiro, enfatizando que o país terá agenda intensa na conferência.
“É importante que se diga claramente que o fato de nós não termos a nossa estratégia nacional aprovada não significa que nós não estejamos trabalhando para implementar os compromissos que o Brasil assumiu”, afirmou em Brasília, na quinta (17).
A secretária saudou a participação da sociedade civil e o processo de construção dos entendimentos na definição das metas brasileiras, elogiando a versão preliminar do documento. “O Brasil vem conduzindo um processo que não é trivial, porque em um país das dimensões do nosso, megadiverso, e com a megadiversidade também sociocultural, nós precisamos construir diálogos em todos os níveis.”
Nos bastidores, um dos motivos apontados para a demora na definição da estratégia brasileira foram as mudanças que dificultam a atuação da Conabio (Comissão Nacional da Biodiversidade). Durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), o órgão foi alterado, limitando a participação da sociedade civil.
O Brasil, contudo, não é o único a atrasar a apresentação das metas. A maior parte das nações, incluindo a Colômbia, anfitriã do encontro, não irá apresentar seus planos nacionais para a proteção da biodiversidade. Dos países amazônicos, até agora, apenas o Suriname submeteu seu compromisso nacional.
Pelos últimos levantamentos dos ambientalistas, menos de 20% dos países apresentarão suas Epanbs.
A celeridade na definição e implementação dos estratégias, porém, é considerada fundamental para o sucesso das propostas. Após anos de discussão, a comunidade internacional finalmente chegou a um acordo na COP15, no Canadá, em 2022, com o estabelecimento de 23 metas globais de biodiversidade.
Um dos pontos acordados foi a preservação de ao menos 30% das áreas terrestres, aquáticas, zonas conteiras e marinhas até 2030. Ou seja: já daqui a seis anos.
“São essas estratégias e planos nacionais que ajudam a coordenar e direcionar melhor os esforços dos países, fortalecendo a proteção e restauração de ecossistemas nas políticas públicas e nos compromissos internacionais. Deixar de apresentar as estratégias nessa COP pode atrasar no cumprimento das metas”, disse Mirela Sandrini, diretora de florestas, uso da terra e agricultura do WRI (World Resources Institute) Brasil.
“É crucial que todos os países apresentem suas estratégias, e ainda mais para o Brasil manter o protagonismo na agenda ambiental”, completou.
A convenção sobre a biodiversidade, que envolve interesses de segmentos importantes e com grande peso financeiro e político em nível global, como a indústria e o agronegócio, terá ainda uma série de negociações delicadas.
“A gente pode esperar uma discussão bastante quente, densa e difícil em muitos elementos. A agenda é muito extensa, ela tem mais de 20 itens, e em poucos deles se está próximo de um consenso”, avalia Michel Santos, do WWF-Brasil.
Outro ponto crítico das negociações será o financiamento. A garantia dos recursos é considerada prioridade para as nações em desenvolvimento, incluindo o Brasil, que cobram maior comprometimento dos países ricos em relação às metas de empenho já acordadas.
“A meta para 2025 é de US$ 20 bilhões e, em 2030, deveria chegar a US$ 30 bilhões. Estamos falando especificamente dos fluxos de países desenvolvidos, ou outros que resolveram contribuir, para países em desenvolvimento. Há um relatório da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) deste ano que mostra que estamos ainda longe dessa meta dos países desenvolvidos”, disse a ministra Maria Angélica Ikeda, diretora do departamento de Meio Ambiente do Ministério das Relações Exteriores.
“O próprio relatório diz que, no fluxo bilateral de países desenvolvidos para países em desenvolvimento, os projetos que têm a biodiversidade como objetivo principal têm caído, e os números estão bastante aquém daqueles US$ 20 bilhões”, completou.
A COP16 acontece ainda em meio a preocupações com a segurança dos cerca de 15 mil participantes, além de delegações que incluem vários ministros e chefes de Estado e de governo.
O grupo Estado-Maior Central —dissidência das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) que rejeitou o acordo de paz com o governo em 2016— fez ameaças públicas contra a COP16.
Em guerra com o exército colombiano em várias regiões, os guerrilheiros previram que o evento “será um fracasso”. O presidente, Gustavo Pedro, respondeu intensificando a presença das Forças de Segurança e reforçou a mensagem de que a situação está sob controle.