No centro de nossa galáxia, existe um buraco negro gigantesco. Ele é tão grande quanto o nosso Sol, mas milhões de vezes mais pesado. Sua imensa força gravitacional agita a poeira e o gás interestelar ao seu redor.
Este buraco negro supermassivo é o coração pulsante da Via Láctea, tendo impulsionado a formação e evolução da nossa galáxia ao longo de toda a sua história de 13 bilhões de anos, ajudando a dar origem a sistemas solares como o nosso.
De vez em quando, uma estrela é aniquilada ao se aproximar demais dele, se apagando sem deixar vestígios de sua existência. É uma fera assustadora, com o poder de criar e destruir em uma escala épica.
Quase todas as grandes galáxias possuem um buraco negro supermassivo em seu centro, mas na grande escala do Universo, o nosso —chamado Sagittarius A*— é um verdadeiro peso-pena.
Na última década, os astrônomos descobriram buracos negros muito maiores, conhecidos como buracos negros ultramassivos. Alguns são 1.000 vezes mais massivos que Sagittarius A*— e grandes o suficiente para abranger toda a vastidão do nosso Sistema Solar.
A visão incomparável proporcionada pelo Telescópio Espacial James Webb (JWST, na sigla em inglês) também nos oferece uma nova perspectiva sobre como esses gigantes cresceram no início dos tempos. No entanto, há muitos mistérios —de onde eles vieram e qual o tamanho que eles realmente podem atingir?
Medir o tamanho de objetos tão grandes e distantes (que, por sua própria definição, não podem ser observados diretamente) é complicado, mas sabemos que alguns dos maiores são surpreendentemente enormes.
Um dos maiores a ser descoberto até hoje, conhecido como Ton 618, encontra-se escondido no meio de um quasar a cerca de 18 bilhões de anos-luz da Terra. Estima-se que tenha 66 bilhões de vezes a massa do Sol —e seja até 40 vezes maior que a distância entre Netuno e o nosso Sol.
O buraco negro no centro de um aglomerado de galáxias chamado Holm 15A também seria cerca de 44 bilhões de vezes mais pesado que o Sol, e mediria 30 vezes a distância entre Netuno e o Sol, de acordo com estimativas recentes.
Eles são inegavelmente enormes. Mas alguns cientistas acreditam que pode haver monstros ainda maiores à espreita por aí.
“De uma perspectiva teórica, não há limite”, diz James Nightingale, cosmólogo observacional da Universidade de Newcastle, no Reino Unido, que em março de 2024 descobriu um buraco negro ultramassivo que pesava 33 bilhões de vezes a massa do Sol.
Os buracos negros que conhecemos possuem vários tamanhos. Em sua menor dimensão, os microburacos negros podem ter o tamanho de um átomo.
Talvez os mais conhecidos sejam os buracos negros de massa estelar, resultado do colapso de estrelas muito grandes. Eles variam entre três e 50 vezes a massa do nosso Sol, mas são condensados num objeto “aproximadamente do tamanho de Londres”, explica Julie Hlavacek-Larrondo, astrofísica da Universidade de Montreal, no Canadá.
Os buracos negros de massa intermediária formam o próximo grupo —eles possuem cerca de 50 mil vezes a massa do nosso Sol, abrangendo uma região do espaço aproximadamente do tamanho do planeta Júpiter.
Já os buracos negros supermassivos chegam a ter milhões ou bilhões de vezes a massa do nosso Sol.
Apesar de ainda não haver uma definição precisa de buraco negro ultramassivo, é consenso geral que eles têm a partir de “10 bilhões de vezes a massa do Sol”, diz Hlavacek-Larrondo.
Embora, em princípio, não haja razão para que um buraco negro não possa crescer até chegar a este tamanho, sua existência é inesperada, dada a forma como atualmente entendemos o crescimento dos buracos negros e a idade relativamente jovem do Universo, de apenas 13,7 bilhões de anos.
“É difícil gerar um buraco negro tão massivo usando os métodos tradicionais de alimentação”, diz Hlavacek-Larrondo, se referindo à forma como os buracos negros “ingerem” matéria ao seu redor devido à sua atração gravitacional.
“Acho que as pessoas não esperavam que eles [existissem].”
Se você continuar alimentando um buraco negro, em princípio ele deve continuar crescendo indefinidamente —qualquer objeto ou matéria que cruze o chamado horizonte de eventos faz com que o buraco negro aumente sua massa.
Na prática, a idade do Universo e a taxa estimada de crescimento dos buracos negros devem limitar seu tamanho, provavelmente não mais do que 270 bilhões de massas solares no momento atual.
Alguns cientistas, no entanto, acreditam que é possível que alguns buracos negros podem ter crescido muito mais, atingindo trilhões de massas solares no Universo moderno, caso tenham conseguido consumir matéria mais rápido do que o esperado.
Estes objetos, chamados de buracos negros estupendamente grandes, teriam um raio de aproximadamente um ano-luz de diâmetro. Ainda não foram encontrados tais objetos, mas não podemos descartar a possibilidade de estarem escondidos no centro de algumas galáxias.
Os astrônomos detectaram os primeiros buracos negros ultramassivos no início de 2010. Desde então, cerca de 100 foram encontrados.
Em março de 2023, Nightingale e seus colegas anunciaram que haviam avistado um novo buraco negro ultramassivo que pesava aproximadamente 33 mil milhões de massas solares. Eles só conseguiram vê-lo devido à forma como a luz de uma galáxia mais distante se curvava em torno do buraco negro.
“Foi uma descoberta por acaso”, diz Nightingale.
Não podemos ver os buracos negros diretamente devido à sua própria natureza —na sua borda, conhecida como horizonte de eventos, a gravidade se torna tão intensa que nada consegue escapar, nem sequer a luz.
Portanto, só podemos vê-los se projetarem uma sombra sobre a matéria brilhante circundante que está sendo consumida pelo buraco negro. Podemos inferir sua existência mais facilmente, no entanto, olhando para uma galáxia e observando os efeitos do buraco negro central. Uma maneira é procurar jatos potentes disparados dos polos do buraco negro.
“Ainda não entendemos exatamente como eles podem formar estas estruturas, mas eles formam”, diz Hlavacek-Larrondo. Estes jatos de rádio podem se estender por milhões de anos-luz.
Os buracos negros também podem produzir anéis quentes de matéria que giram em torno deles, chamados discos de acreção, à medida que consomem matéria. A matéria gira rapidamente em torno do buraco negro, com a forte gravidade fazendo com que ele entre em espiral “aproximadamente à velocidade da luz”, explica Hlavacek-Larrondo.
À medida que cai em direção ao buraco negro, o disco de matéria também emite raios-X brilhantes. Quanto maior o buraco negro, mais raios-X e ondas de rádio são produzidos pelo disco de acreção e pelo jato, respectivamente.
A física dos buracos negros ultramassivos e dos menores é basicamente a mesma —passe do horizonte de eventos, e não há escapatória. Uma massa maior leva a um raio maior para o horizonte de eventos. Mas os buracos negros ultramassivos têm uma propriedade interessante devido ao seu tamanho.
Se você tivesse a infelicidade de cair em um buraco negro de massa estelar, sofreria algo conhecido como “espaguetização” —seu corpo seria esticado até o infinito—, devido à diferença de gravidade entre seus pés e sua cabeça.
Num buraco negro ultramassivo, no entanto, o gradiente gravitacional é muito menos acentuado porque se estende muito mais longe no espaço, a ponto de você mal perceber que está passando do horizonte de eventos.
“A ‘espaguetização’ não ocorreria”, diz Nightingale. A única coisa que selaria seu destino seria a distorção da luz das estrelas ao seu redor devido à gravidade do buraco negro.
Graças ao poder do telescópio James Webb, os astrônomos estão observando agora cada vez mais longe e, assim, mais atrás no tempo, devido ao tempo que a luz leva para chegar até nós, vinda de recantos distantes do Universo.
Isso permite que eles vejam galáxias nas primeiras centenas de milhões de anos de existência do Universo.
Para que buracos negros tão distantes tenham se tornado tão grandes, eles devem ter nascido relativamente cedo na história do Universo —e depois devorado matéria ferozmente, algo que desafia muito do que sabemos sobre como os buracos negros se formam.
No entanto, os astrônomos estão começando a ver evidências exatamente disso.
Bem longe, em alguns dos pontos mais antigos do Universo que podemos observar, tipos de galáxias nunca antes vistos estão sendo revelados pelo James Webb.
Os cientistas descobriram centenas de galáxias estranhas e compactas, que brilham muito mais do que se poderia esperar, que existiam cerca de 600 milhões de anos a um bilhão de anos após o Big Bang.
Estas galáxias ficaram conhecidas como pequenos pontos vermelhos devido à sua cor e tamanho. O que é particularmente surpreendente nelas é a luz que emitem, o que parece indicar que buracos negros supermassivos já estão à espreita dentro delas.
Estas observações sugerem que os buracos negros de fato cresceram rapidamente. Em nosso Universo local, os grandes buracos negros nos centros das galáxias tendem a ser cerca de 1.000 vezes menores do que a galáxia que os hospeda.
Mas o telescópio James Webb está descobrindo buracos negros do mesmo tamanho da sua própria galáxia nos primórdios do Universo, sugerindo que os buracos negros podem ter se formado primeiro, antes de as galáxias crescerem ao seu redor.
Em comparação com o Universo local, estas massas são “de dezenas a algumas centenas” de vezes maiores do que esperaríamos, diz Hannah Übler, cosmóloga da Universidade de Cambridge, no Reino Unido.
Os astrônomos se referem a estes primeiros titãs como “buracos negros excessivamente massivos”.
É “realmente surpreendente e desafia os modelos teóricos a explicar como estes buracos negros conseguiram se tornar tão massivos e tão rapidamente”, diz Übler, que usou o James Webb para observar estes primeiros buracos negros.
A forma como estes buracos negros cresceram tão rápido é um mistério —e provavelmente está relacionada com a maneira como os buracos negros se formaram predominantemente nos primórdios do Universo.
Uma ideia é que eles se formaram a partir da morte das primeiras estrelas do Universo, conhecidas como População 3 —monstros que tinham entre 100 e 1.000 vezes a massa do nosso Sol e eram feitos quase inteiramente de hélio e hidrogênio.
As supernovas —uma explosão estelar colossal— destas estrelas no fim da sua vida liberaram elementos mais pesados no Universo. Mais tarde, eles dariam origem a outras estrelas e, por fim, a planetas, incluindo o nosso Sol e a Terra.
Mas suas mortes também poderiam ter produzido grandes buracos negros à medida que a matéria entrava em colapso sob a ação da gravidade.
“Os buracos negros destas estrelas são mais massivos do que os buracos negros de massa estelar”, diz Mar Mezcua, astrofísica do Instituto de Ciências Espaciais da Espanha.
“A partir disso, você pode crescer e ter mais chances de se tornar supermassivo em um curto espaço de tempo.”
Outra possibilidade é que os primeiros buracos negros se formaram predominantemente não a partir de estrelas, mas de nuvens de gás —conhecidos como buracos negros de colapso direto.
Normalmente, estas nuvens teriam formado estrelas ao se condensarem sob a ação da gravidade, mas, se a temperatura fosse alta o suficiente, algumas nuvens poderiam não ter formado estrelas —e colapsado, em vez disso, diretamente em buracos negros.
“Estas são condições que não encontramos no Universo atual”, explica Mezcua. Mas, segundo ela, nas condições quentes e turbulentas do Universo primitivo, isso pode ter sido possível.
Definitivamente, nenhuma estrela da População 3 ou buraco negro de colapso direto foi avistado ainda, então não está claro qual mecanismo —se é que algum deles— dominou a formação de buracos negros nos primórdios do Universo.
Independentemente da forma como estes buracos negros se formaram, eles devem ter desenvolvido uma maneira de atingir um tamanho grande com bastante rapidez.
Uma possibilidade é que eles tenham sido criados em abundância e se fundiram para formar buracos negros cada vez maiores, primeiro de massa intermediária, depois supermassivos e, em seguida, para alguns, ultramassivos.
Isso reforçaria a ideia de que eles se originaram de estrelas da População 3, porque haveria mais destes do que buracos negros de colapso direto.
“Se encontrarmos hoje muitos buracos negros intermediários, isso significaria que se formaram por meio de mecanismos da População 3”, diz Mezcua.
De acordo com ela, se os astrônomos encontrarem poucos buracos negros de massa intermédia, em locais como galáxias anãs menores, onde se espera que eles surjam, isso pode reforçar a ideia do buraco negro de colapso direto.
Os buracos negros ultramassivos também podem ter crescido rapidamente ao consumir matéria em rajadas, algo que o James Webb já viu evidência.
Os astrônomos observaram algumas galáxias primitivas que são brilhantes e ativas, mas outras com um grande buraco negro que parece estar adormecido, sugerindo que este último já devia ter consumido muita matéria antes de pegar no sono.
“Não sabemos quanto tempo duraria o ciclo”, diz Hlavacek-Larrondo.
Mas, segundo ele, os períodos de consumo rápido provavelmente são raros.
“Talvez 1% da vida útil do buraco negro.”
O que ainda não está claro é qual o tamanho exato dos buracos negros no cosmos moderno.
“Temos uma estimativa aproximada baseada na idade do Universo”, explica Hlavacek-Larrondo, de cerca de 270 bilhões de massas solares.
“Mas talvez o Universo nos surpreenda.”
Leia a íntegra desta reportagem (em inglês) no site BBC Future.