Quando os cientistas ganham o prêmio Nobel de Medicina, geralmente agradecem à família e a colegas, talvez às universidades ou a quem financiou sua pesquisa.
Neste ano, enquanto o biólogo molecular Gary Ruvkun, 62, aceitava a láurea mais prestigiosa de sua carreira, ele passou alguns minutos elogiando seu objeto experimental: Caenorhabditis elegans.
Essa não é a primeira vez que esse minúsculo verme se destaca internacionalmente, tampouco é a primeira vez que recebe agradecimentos por contribuir para um trabalho premiado. O de Ruvkun foi na verdade o quarto Nobel resultante de pesquisas com C. elegans, consolidando o papel desse humilde verme na descoberta científica.
O nematoide de um milímetro ajudou cientistas a entender como as células saudáveis são instruídas a se autodestruir e como o processo dá errado em casos de Aids, derrames e doenças degenerativas —esse trabalho foi o tema do prêmio Nobel de Medicina de 2002.
Dois americanos que utilizavam o verme em seus estudos foram reconhecidos com a láurea de Medicina em 2006 por descobrir o silenciamento de genes, que se tornou a base para uma nova classe de medicamentos.
Dois anos depois, o prêmio de Química foi para cientistas que recorreram a nematoides para ajudar a inventar “lanternas” celulares que permitiram a biólogos verem o funcionamento interno de uma célula.
Para cada prêmio, um laureado fez questão de agradecer ao verme por suas contribuições, embora talvez o aceno mais famoso tenha vindo do sul-africano Sydney Brenner (1927-2019).
“Sem dúvida, o quarto vencedor do prêmio Nobel deste ano é Caenorhabditis elegans“, disse em sua palestra em Estocolmo.
C. elegans tem seu nome inspirado na palavra em latim para “elegante” por causa da maneira como se move em ondas graciosas e sinuosas. Uma de suas virtudes é a simplicidade, o que permite aos cientistas testarem hipóteses sobre conceitos biológicos fundamentais em um modelo fácil de entender.
Os nematoides possuem apenas 959 células —um número gerenciável, comparado com nossos trilhões de células—, todas nomeadas e mapeadas.
“Esse é provavelmente o organismo multicelular mais bem compreendido do planeta”, disse o nematologista Howard Ferris, da Universidade da Califórnia, Davis.
O destino de cada célula é fácil de mapear, uma vez que os vermes se tornam translúcidos sob a luz de um microscópio e passam por todos os estágios de desenvolvimento em cerca de três dias.
O nematoide foi o primeiro animal a ter seu genoma totalmente decifrado —em 1998, anos antes de os cientistas conseguirem fazer o mesmo com moscas e ratos. Ele também é barato, fácil de armazenar e totalmente autossuficiente quando se trata de reprodução; as fêmeas de C. elegans têm espermatozoides funcionais que permitem que se inseminem.
Mesmo quando os cientistas recorrem à nematologia por causa dos vermes, muitas vezes ficam pela comunidade unida e excêntrica.
Desde sua criação, o campo tem uma tradição de colaboração. Os pesquisadores criaram um boletim informativo em 1975 chamado Worm Breeder’s Gazette para compartilhar os resultados de seus experimentos antes de serem publicados.
Judith Kimble, pesquisadora de nematoides na Universidade de Wisconsin, atribui grande parte do sucesso da pesquisa ao fato de que os cientistas ligados a vermes tendem a compartilhar seus recursos e cooperar.
Ruvkun, da Escola de Medicina de Harvard, e o também Nobel Victor Ambros, 71, professor de medicina molecular na Escola de Medicina UMass Chan, compartilharam suas descobertas um com o outro, permitindo-lhes montar a mecânica do microRNA. Se não o tivessem feito, seu trabalho premiado poderia ter sido adiado por anos, até décadas.
A comunidade de pesquisa de C. elegans se reúne a cada dois anos na Convenção Internacional do Verme, na qual os cientistas circulam com sua vestimenta característica: moletons, bermudas e sandálias.
O espírito coletivo contrasta com alguns outros cantos da biologia, como a pesquisa com moscas, em que os cientistas tendem a proteger suas pesquisas e competir uns com os outros, segundo Cathy Savage-Dunn, que estuda sinalização celular em C. elegans na City University de Nova York.
De fato, há algo de rivalidade entre os pesquisadores de moscas e os de vermes. Estes últimos gostam de dizer que as moscas são muito complexas e que as conferências de ciência de moscas são muito formais.
Os dois grupos concordam, porém, que suas pesquisas são ignoradas pelos cientistas de mamíferos, que residem no topo da hierarquia não declarada de animais de laboratório e frequentemente acreditam que experimentos em invertebrados são irrelevantes para os humanos.
Na verdade, a descoberta do microRNA foi inicialmente recebida com silêncio fora da comunidade de C. elegans, em parte porque outros cientistas achavam que os achados originais eram apenas uma peculiaridade dos vermes.
Somente anos depois, quando Ruvkun provou que o microRNA estava presente em uma ampla variedade de animais, incluindo humanos, é que a comunidade de pesquisa mais ampla finalmente concordou.
Mesmo que os vermes sejam muito mais simples do que o corpo humano, temos mais em comum do que podemos acreditar, segundo o geneticista Robert Waterston, da Universidade de Washington em Seattle. “Se entendermos o verme, entenderemos a vida.”